México: a luta pela democracia
As eleições presidenciais que, recentemente, tiveram lugar no México, encontram-se sob forte suspeita de constituírem uma monumental fraude eleitoral. O candidato da esquerda, Andrés Manuel López Obrador, contestou, desde o primeiro momento, os resultados oficiais que ditaram a sua derrota e exigiu a recontagem de todos os votos o que ainda não aconteceu. Há semanas que ele e os seus apoiantes ocupam a Praça Zócalo, no centro da capital, como forma de contestação. Esta contestação está a espalhar-se por todo o México, constituindo uma exigência de “aprofundamento da democracia”, pondo em causa a legitimidade do Chefe de Estado, supostamente, recém-eleito.
Vale a pena ler o excerto seguinte extraído da revista “Proceso” que se publica na Cidade do México e citado no Courrier Internacional de 15 de Setembro último:
“O México parece estar a enveredar pelo caminho que custou a presidência do Equador a Jamil Muhammad, em Janeiro de 2000, a da Argentina a Fernando de la Rua, em Dezembro de 2001, e da Bolívia a Sánchez Lozada em Outubro de 2003. Ao destituir presidentes democraticamente eleitos, a pressão popular parece travar os processos de normalização institucional levados a cabo na América Latina ao longo dos últimos 20 anos. Se olharmos com atenção, porém, trata-se do oposto: o que exigem é o aprofundamento da democracia.
A mobilização suscitada pelas suspeitas de fraude eleitoral pode vir a impedir o novo Presidente de tomar posse, a 1 de Dezembro. Mesmo que Filipe Calderón (Partido de Acção Nacional, direita católica, indigitado a 6 de Setembro, após a recontagem parcial dos votos) consiga envergar as vestes presidenciais, é provável que tenha dificuldades em levar o mandato de seis anos até ao fim.
Enquanto outros países latino-americanos sofrem crises de governabilidade, o México atravessa uma crise da democracia. A Presidência da República, o Instituto Federal Eleitoral (IFE) e o Tribunal Eleitoral do Poder Judicial tinham por missão garantir a normalidade democrática da primeira sucessão pós-PRI (Parido Revolucionário Institucional). Nenhuma destas instituições esteve à altura. O Presidente utilizou, de forma obsessiva, todos os recursos ao seu alcance, maioritariamente ilegais, não para apoiar o candidato do seu partido, mas para impedir López Obrador (Partido da Revolução Democrática) de chegar ao poder, já que este populista de centro-esquerda ameaçava a empresa em que se converteu, sob Fox; o Governo da república. O Presidente cessante cooptou o Conselho de Cidadãos do IFE, com a cumplicidade do PAN e do PRI, impondo-lhe directrizes contrárias à transparência, à legalidade, à imparcialidade. Quanto ao Tribunal Eleitoral, optou pelo formalismo jurídico, que, longe de dissipar as dúvidas sobre a fraude, passou um certificado de impunidade aos excessos dos poderes político e económico, válido para esta eleição e para as vindouras.
Em suma, o país mergulhou na maior crise de governabilidade dos últimos 40 anos. As instituições já não funcionam e o tecido social está em farrapos. Durante décadas, o país foi governável sem democracia, sistema que se manteve graças ao autoritarismo presidencial que caracterizou os 72 anos de reinado do PRI. Este regime de partido único deu lugar a uma paródia de democracia, agora incapaz de governar, pois os paridos e instituições disputam o poder com base em clientelas, em detrimento dos valores democráticos.”
Vale a pena ler o excerto seguinte extraído da revista “Proceso” que se publica na Cidade do México e citado no Courrier Internacional de 15 de Setembro último:
“O México parece estar a enveredar pelo caminho que custou a presidência do Equador a Jamil Muhammad, em Janeiro de 2000, a da Argentina a Fernando de la Rua, em Dezembro de 2001, e da Bolívia a Sánchez Lozada em Outubro de 2003. Ao destituir presidentes democraticamente eleitos, a pressão popular parece travar os processos de normalização institucional levados a cabo na América Latina ao longo dos últimos 20 anos. Se olharmos com atenção, porém, trata-se do oposto: o que exigem é o aprofundamento da democracia.
A mobilização suscitada pelas suspeitas de fraude eleitoral pode vir a impedir o novo Presidente de tomar posse, a 1 de Dezembro. Mesmo que Filipe Calderón (Partido de Acção Nacional, direita católica, indigitado a 6 de Setembro, após a recontagem parcial dos votos) consiga envergar as vestes presidenciais, é provável que tenha dificuldades em levar o mandato de seis anos até ao fim.
Enquanto outros países latino-americanos sofrem crises de governabilidade, o México atravessa uma crise da democracia. A Presidência da República, o Instituto Federal Eleitoral (IFE) e o Tribunal Eleitoral do Poder Judicial tinham por missão garantir a normalidade democrática da primeira sucessão pós-PRI (Parido Revolucionário Institucional). Nenhuma destas instituições esteve à altura. O Presidente utilizou, de forma obsessiva, todos os recursos ao seu alcance, maioritariamente ilegais, não para apoiar o candidato do seu partido, mas para impedir López Obrador (Partido da Revolução Democrática) de chegar ao poder, já que este populista de centro-esquerda ameaçava a empresa em que se converteu, sob Fox; o Governo da república. O Presidente cessante cooptou o Conselho de Cidadãos do IFE, com a cumplicidade do PAN e do PRI, impondo-lhe directrizes contrárias à transparência, à legalidade, à imparcialidade. Quanto ao Tribunal Eleitoral, optou pelo formalismo jurídico, que, longe de dissipar as dúvidas sobre a fraude, passou um certificado de impunidade aos excessos dos poderes político e económico, válido para esta eleição e para as vindouras.
Em suma, o país mergulhou na maior crise de governabilidade dos últimos 40 anos. As instituições já não funcionam e o tecido social está em farrapos. Durante décadas, o país foi governável sem democracia, sistema que se manteve graças ao autoritarismo presidencial que caracterizou os 72 anos de reinado do PRI. Este regime de partido único deu lugar a uma paródia de democracia, agora incapaz de governar, pois os paridos e instituições disputam o poder com base em clientelas, em detrimento dos valores democráticos.”
in: Corrier International
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