Tuesday, September 19, 2006

Noham Chomsky

O Conselho de Segurança da ONU actua dentro
de limites impostos pelas grandes potências
– Entrevista a Noam Chomsky –

Nermeen Al Mufti
The New Anatolian - link

A Resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU chegou muito tarde e estabeleceu um cessar­‑fogo frágil, contudo haverá outra guerra enquanto Israel, apoiado por Bush, tiver o pretexto das “fronteiras seguras”, e o próprio Bush insistir em ir mais além na sua guerra contra o terrorismo.

O eminente Professor Noam Chomsky, nesta entrevista para o The New Anatolian, fala sobre a guerra israelo­‑libanesa e o Conselho de Segurança da ONU.

A primeira pergunta é muito simples e no entanto nunca foi respondida: Por que tem Israel o direito de autodefesa, enquanto os países árabes não? Os EUA têm o mesmo direito, enquanto o Iraque não!

A resposta foi dada há muito tempo por Tucídides (“Diálogo dos Mélios” in História da Guerra do Peloponeso, Livro V): Os fortes fazem o que podem, e os fracos sofrem como devem. É um dos princípios mais importantes das relações internacionais. Muitos estados árabes declararam que não iam cortar relações com Israel; ao mesmo tempo (respire) declararam que a guerra era uma guerra do Hezbollah e da sua culpa.

Acha que houve e ainda há uma pressão americana por trás disto, ou os regimes árabes têm medo da “mudança de regime” e fazem o seu melhor para satisfazer a Casa Branca?

Numa reunião de emergência da Liga Árabe, a maioria dos estados árabes (tirando a Argélia, o Líbano, a Síria e o Iémen) condenaram o Hezbollah. Ao fazê-lo, estavam dispostos a «desafiar abertamente a opinião pública», como relatou o New York Times. Mais tarde tiveram de recuar, incluindo o mais antigo e mais importante aliado de Washington na região, a Arábia Saudita: o rei Abdullah disse que «se a opção de paz for rejeitada devido à arrogância israelita, então só resta a opção da guerra, e ninguém sabe que repercussões vai ter na região, incluindo guerras e conflitos que não vão poupar ninguém, incluindo aqueles cujo poder militar os está a tentar a brincar com o fogo».

A maioria dos analistas assume – plausivelmente, penso – que a sua principal preocupação é a influência crescente do Irão, e o embaraço causado pelo facto de, no mundo árabe, apenas o Hezbollah ter oferecido apoio aos palestinianos que sofriam um ataque brutal nos territórios ocupados.

Houve alguma justificação moral ou legal para esta guerra, como o Presidente George W. Bush, a Secretária de Estado Condoleeza Rice e os média ocidentais insistiram?

Podemos ignorar Bush e Rice, que são participantes na invasão israelo-americana do Líbano. Sabemos muito bem que, pelos padrões ocidentais não há justificação moral ou legal para a guerra. Prova suficiente é o facto de que, por muitos anos, Israel raptou libaneses regularmente, enviando-os para prisões em Israel, incluindo prisões secretas como o famoso Campo 1391, que foi descoberto por acaso e rapidamente esquecido (e, nos EUA, nunca sequer relatado pelos média de referência). Ninguém sugeriu que o Líbano, ou outro qualquer, tinha o direito de invadir e destruir grande parte de Israel em retaliação. Como este feio e longo registo torna claro, o rapto de civis – um crime muito pior do que a captura de soldados – é considerado insignificante pelos EUA, o Reino Unido e outros estados ocidentais, e pela opinião articulada em geral no seu interior, quando é feito pelo “nosso lado”. Este facto foi revelado dramaticamente uma vez mais no início da actual explosão de violência, depois do Hamas ter capturado um soldado israelita, o cabo Gilad Shalit, em 25 de Junho. Essa acção suscitou uma grande demonstração de indignação no Ocidente, e apoio à intensa escalada dos ataques de Israel em Gaza. Um dia antes, a 24 de Junho, forças israelitas tinham raptado dois civis em Gaza, um médico e o seu irmão, enviando-os para algum lugar do sistema prisional israelita. O acontecimento mal foi relatado, e suscitou pouco, se algum, comentário nos média de referência. A sequência dos acontecimentos por si só revela com vívida clareza que a demonstração de indignação devido à captura de soldados israelitas é uma fraude cínica, e mina quaisquer réstias de legitimidade moral pelas acções que lhe sucederam.

Há algum pretexto que poderia justificar os massacres diários no Líbano e em Gaza?

Com uma vívida imaginação, pode-se pensar em muitos pretextos. No mundo real, não há nenhum. E podemos acrescentar a esquecida Cisjordânia, onde os EUA e Israel estão a prosseguir com os seus planos de pregar os últimos pregos no caixão dos direitos nacionais palestinianos, através dos seus programas de anexação, cantonização e aprisionamento (pela apropriação do Vale do Jordão). Estes planos são executados no quadro de outra cínica fraude: a “convergência” (a “hitkansut” israelita), retratada nos EUA como “retirada”, num notável triunfo de relações públicas. Também há muito esquecidos estão os ocupados Montes Golã, praticamente anexados por Israel em violação às ordens unânimes do Conselho de Segurança (mas com o apoio tácito dos EUA).

Não consigo entender a arrogância israelita. Consegue?

Mais uma vez, a máxima de Tucídides. E vale a pena ter em mente que Israel pode ir tão longe quanto o seu protector em Washington permitir e apoiar.

Como iraquiano, penso que a actual guerra contra o Líbano e Gaza é uma parte essencial do esquema de Bush para mudar a região – quero dizer, redesenhar as fronteiras estabelecidas pelo acordo de Sykes-Picot de 1916.

Duvido que a maior parte deles alguma vez tenha sequer ouvido falar de Sykes-Picot. Eles têm os seus próprios planos para a região. O mais importante deles é o empenho tradicional de controlar os principais recursos mundiais de energia. Os que não alinham podem esperar ser alvos de subversão ou de agressão. Isso não deveria surpreender, pelo menos os que conhecem a história do século passado (na verdade, muito anterior).

Como podemos explicar o papel do Conselho de Segurança da ONU na destruição do Líbano e de Gaza agora, e do Iraque antes?

O Conselho de Segurança actua dentro de limites impostos pelas grandes potências, principalmente os Estados Unidos, em virtude do seu enorme poder. Podem geralmente contar com a Grã­‑Bretanha, particularmente a Grã­‑Bretanha de Blair, que é descrito de modo sardónico no principal jornal britânico de assuntos internacionais como o «estafeta da Pax Americana». Nos primeiros anos do pós-guerra, por razões óbvias, a ONU estava em geral sob o domínio dos EUA, e era muito popular entre as elites estadunidenses. Em meados dos anos 60, estava a deixar de o ser, com a descolonização e a recuperação das sociedades industriais da devastação dos tempos de guerra. Desde essa data, os EUA têm estado na liderança dos vetos a resoluções do Conselho de Segurança numa ampla gama de assuntos, com a Grã­‑Bretanha em segundo lugar, e nenhum dos outros sequer perto. Concomitantemente, o apoio da elite à ONU caiu acentuadamente nos EUA – apesar de, interessantemente, o apoio popular à ONU ter permanecido notavelmente alto, um dos muitos exemplos do enorme fosso entre a opinião pública e a política pública dos EUA. Acima e sobre este limite crucial, o poderio dos EUA permite-lhe moldar as resoluções e acções que está disposto a aceitar. Outras potências têm os seus próprios motivos cínicos para o que fazem, mas a sua influência é naturalmente menor – de novo, a máxima de Tucídides. As forças populares poderiam fazer uma diferença substancial, e às vezes fazem, mas até que o prevalecente “défice democrático” seja reduzido, esse efeito será limitado.

Pensa que o Irão e a Síria estiveram por trás desta guerra, como disse Bush?

Assume­‑se geralmente que eles pelo menos deram autorização ao Hezbollah para o ataque de 12 de Julho às forças militares israelitas na fronteira. Contudo, muitos dos mais sérios analistas do Hezbollah, e do Irão, exprimiram a sua conclusão de que as acções do Hezbollah são de sua própria iniciativa.

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