11 de Setembro
Há cinco anos vivemos um dos momentos de maior perplexidade e de horror, em directo, em cadeia de televisão global. Por mais que essas imagens sejam repetidas – centenas, milhares de vezes, até com o risco de banalização – não se apaga essa sensação estranha de estarmos a assistir a um filme, ao mesmo tempo que algo desperta a emoção própria de quem vive um drama bem real, pior do que a pior das ficções. É assim, no presente, que vivo o 11 de Setembro, em catadupa de imagens, sobrepostas com milhares de reportagens e comentários. Não proclamei “somos todos americanos” mas interiorizei, mais fortemente do que nunca: somos todos seres humanos!
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As vítimas do 11 de Setembro não se reduzem, infelizmente, aos perto de três milhares de homens e mulheres encurralados nas torres: empregados de mesa e de cozinha, escriturários, canalizadores, executivos, polícias e bombeiros. É com particular emoção que vejo desfilar as boinas e as saias, ao som de gaitas de foles escocesas e irlandesas, características das primeiras comunidades imigrantes, humildes e sofridas, que construíram os alicerces da coesão social da América e lhes permitiram resistir aos ventos da violência e do liberalismo selvagem que quase tudo levou…
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Sem invocar nenhuma “teoria da conspiração”, a verdade é que os acontecimentos do 11 de Setembro foram aproveitados a fundo pela equipa de neocons que rodeia George W. Bush. E os primeiros “danos colaterais”, que já causaram milhões de vítimas por esse mundo fora, começaram nos próprios EUA: o "Patriot Act" impôs o estado de excepção permanente, suspendeu direitos tão básicos como a garantia de um julgamento justo a qualquer cidadão, considerado suspeito pela Casa Branca ou pelo Pentágono; instituiu as prisões especiais e a tortura como prática corrente, em especial fora das fronteiras dos EUA – Guantanamo e Abu Ghraib são a ponta visível de um imenso iceberg, interligado pelos famigerados “voos da CIA”, com cumplicidade europeias.
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O próprio conceito da América como “pátria de imigrantes” está ferido de morte: para além das discriminações tradicionais dos negros e dos hispânicos, pejorativamente chamados de “chicanos”, George W. Bush promoveu a aprovação no Senado de uma lei de imigração que se propõe erguer mais 1600 quilómetros de muros na fronteira do México, patrulhada por 6 mil soldados da Guarda Nacional, por cães, polícias, helicópteros e sensores electrónicos. Será que tudo isto aumentou a segurança, mesmo com restrições às liberdades? A grande maioria dos cidadãos norte-americanos considera que não e a popularidade do seu presidente nunca foi tão baixa.
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Mas as piores consequências do 11 de Setembro foram globais e atingiram toda a humanidade, em nome da “guerra contra o terrorismo” que, tomando como sérios os objectivos por ela proclamados, representa um fracasso absoluto. Basta citar, sem mais comentários, os títulos de alguns artigos do insuspeito “Público” de 11 de Setembro de 2006: “Iraque – um beco sem saída”; “Afeganistão – uma causa perdida”; “Paquistão – meio aliado, meio rival”; ou, ainda, o artigo de opinião de João César das Neves, no “DN”: “Como perdemos o 11 de Setembro”.
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A guerra contra o terrorismo tem associados dois conceitos particularmente nocivos: a “guerra preventiva” e a “guerra infinita” que, de mera teoria neocom, se tornou uma realidade, com curtos intervalos: Afeganistão, Iraque, Líbano, fronteiras do Paquistão – e onde mais Irão, se não forem travados? As pulsões bélicas constituem hoje um traço estrutural deste imperialismo global em que as diversas potências, mesmo com remoques, vão atrás dos tambores de guerra norte-americanos. A guerra, mais do que a continuação da política, tornou-se o alfa e o ómega duma economia de casino que entrelaça o tráfico de armas e de droga, os paraísos fiscais, as bolhas especulativas (das bolsas ao imobiliário), os negócios do petróleo ou da água e as agressões ambientais como ameaça global.
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Quanto ao terrorismo, estamos bem pior do que há cinco anos. Não falo já do terrorismo de Estado e dos seus cabecilhas: o próprio Bush, os seus émulos de Israel e outros aprendizes de feiticeiros. Falo do terrorismo fundamentalista que, a coberto da cor da pele ou da religião (há neonazis e outros fanáticos no Ocidente) se alimenta do desespero de multidões que perderam toda a esperança dum futuro melhor. E é criminoso deitar gasolina na fogueira, como fazem os arautos de uma pretensa “guerra de civilizações”, de culturas ou religiões. Lá bem no fundo, a luta continua a ser entre opressores e oprimidos: só a união destes é capaz de evitar a catástrofe e lançar a Humanidade numa guerra vitoriosa contra a pobreza, a doença, o atraso, a ignorância e todos os fanatismos.
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Alberto Matos – Crónica semanal na Rádio Pax – 12/09/2006
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