Sunday, July 30, 2006

NÃO ME É POSSÍVEL...


Porque me é impossível fazer um poema sobre a barbárie do Líbano?
Porque um poema não é um grito, mas sim um eco
E esse eco pode resultar de um peito que antes esteve em chamas
Mas que depois entendeu o incompreensível e o descreveu com serenidade
Porque a raiva é como uma tempestade, porque ela emite sinais contraditórios
Porque a raiva impede a visão das árvores ao vento, que na sua serenidade tudo podem revelar
O fatídico e o penetrante de cada frase, a agitação da mais rigorosa denúncia

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E assim hoje, é me impossível falar das mais de vinte crianças libanesas
Que morreram com o beneplácito da comunidade internacional
E nenhum poema me é agora praticável, porque as árvores acusam
os lugares onde as palavras dançam enlouquecidas
E assim os sinais resultam entorpecidos pela devastação que me atravessa
Bloqueio-me no interior da raiva de um fogo só meu,
e grito enlouquecido para todas as coordenadas da revolta

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E isto que agora faço nunca poderá ser um poema, porque as bombas que caem sobre Beirute e todo o sul do Líbano, transformaram-me num archote
Deixei assim de ser um poeta, espero-me agora nas cinzas que resultarão dessa nefasta realidade
Como quem espera a bonança para enviar uma garrafa ao mar, contando uma história de ignominia
Para poder dizer que ontem Zaida e as amigas brincavam com os seus ursos de peluche e que hoje elas são só mais uns números nas páginas dos jornais
Não, não me é possível fazer agora um poema que descreva a insanidade de tanta violência
Porque as palavras são-me insuficientes defronte da extensão do incêndio da minha indignação.




Fernando Gregório

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