Wednesday, November 23, 2005

TOME NOTA


TOME NOTA (1)




Incompetência ou má fé?




A escola pública encontra-se em pleno estado de destruição. Aquilo que governos de direita vinham preparando com todo o cuidado mas com algum pudor, está a ser levado a cabo, com o maior descaramento que se possa imaginar, por um governo dito de esquerda. Dito de esquerda, porque de esquerda só tem o nome. Basta verificar os elogios que toda a direita faz às medidas que a Ministra da Educação tem tomado no âmbito da chamada reorganização educativa. O alvo principal são os professores, uma espécie de cáfila que, no dizer dos arautos do ataque à escola pública, não querem trabalhar e estão apenas apostados em defender os seus “privilégios” e exaurir os cofres do Estado, sem atenderem às dificuldades que apresenta o défice das contas públicas.
Um aspecto muito discutido, relativamente às medidas que o Ministério da Educação (M.E.) vem tomando, tem a ver com as denominadas “aulas de substituição” como forma de combate ao insucesso escolar. Poderá dizer-se, sem margem de erro, que esta medida tão aplaudida seria trágica se antes disso não fosse ridícula.
Trágica porque revelaria, mais uma vez, a incompetência de quem está à frente do M.E. (se em vez de incompetência tivermos má fé, a situação torna-se muito mais grave)
Ridícula porque, combater o insucesso escolar desta forma é o mesmo que mandar soldados para uma guerra, armados de fisgas…
O que vai fazer um professor de Matemática do 2º Ciclo do Ensino Básico quando substitui um colega de Educação Física numa turma do 3º Ciclo? Absolutamente nada de útil. O simples senso comum chega à conclusão que não faz qualquer sentido colocar um professor perante um grupo de alunos que não conhece, com os quais não tem qualquer relação pedagógica, numa situação excepcional que poderá não voltar a repetir-se.
O texto seguinte é um excerto de uma crónica assinada por Antero Afonso, publicada no “Correio da Educação”, um semanário para professores da responsabilidade da Editora ASA.
““Que é que queres, velha?”. As palavras atingiram-na, tão improváveis quanto injustas. Olhou-os de frente, aquele mar de cabeças minúsculas, tão novos e irrequietos, tão desconhecidos e ameaçadores. “Vai-te embora velha!” Um susto percorreu-lhe o corpo e à admiração sucedeu o pavor. Lembrou-se da angina de peito e, disfarçando o gesto, ocultando o sentido dos seus movimentos, introduziu, debaixo da língua, o comprimido redentor. Ainda ensaiou a pergunta inútil: - “Vocês não têm avós?” “Gostariam que lhes fizessem o mesmo?” Mas já o alarido e a agressão verbal voltaram, à rédea solta. Ela, atrás das lágrimas que se soltaram à desfilada, rosto abaixo, voltou a si, na sala de professores, rodeada de rostos familiares e perplexos. Tantos anos, tanta energia, tanta criatividade dedicados à escola e aos alunos e, num momento, numa decisão impúdica dos seus superiores, num gesto verbal de alguns desconhecidos, tudo ruía, todo o seu corpo se desmoronava, toda a sua vida perdia sentido.”
A situação relatada é real mas, pela minha curta experiência com as “aulas de substituição”, é plena de sentido. Haverá, certamente, inúmeros casos, mais ou menos dramáticos, como o que aqui foi exposto.

Luís Moleiro Santos (Professor do 2º Ciclo do Ensino Básico)

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