Sunday, November 20, 2005

CINEMA



Filmes, política e violência dos EUA
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Luís Carlos LopesLa Insignia. LINK.


Brasil, novembro de 2005.





O filme Crash, dentre outros feitos em tempos de guerra, aborda com veemência o problema interno da violência norte-americana. Talvez, não casualmente, esta película foi escrita e dirigida por um cineasta canadense anglofônico - Paul Haggis - radicado nos EUA. O fato de ele ter nascido no Canadá e de viver nos EUA deve explicar, em parte, o interesse dele em compreender as diferenças. Por outro lado, este interesse é universal. As raízes da violência interna dos EUA e da política de conquista do país mais rico do planeta dizem respeito a toda a humanidade.
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O Canadá e os EUA são países de largas fronteiras e problemas comuns. Pertencem ao chamado Primeiro Mundo e ambos receberam e ainda recebem emigrantes de todo o planeta. Entretanto, o índice de violência existente no extremo norte das Américas é infinitamente menor do que ocorre após os Grandes Lagos até a fronteira do Rio Grande. O Canadá negou-se a participar da Guerra do Iraque. Os EUA invadiram o Afeganistão e o Iraque e ameaçam demorar muito para sair destes países, mesmo que uma vitória definitiva seja utópica.
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O filme Crash é ambientado em Los Angeles. Foca, com intenso realismo, as imensas dificuldades convivenciais de uma sociedade de rara complexidade socioracial. Diversas etnias vivem juntas, porém, nas regras multiculturais em vigor, elas pouco se interpenetram. Suas culturas transformam-se em uma zona de refúgio e de defesa das dificuldades de se operarem trocas e de se estabelecer o diálogo franco. A difícil comunicação entre elas cria muros imaginários e zonas de silêncio intransponíveis.
Sem o livre curso da parole humana, está aberto o flanco do racismo e da violência. Sem diálogo e intercompreensão, resta a resposta da força que se diferencia conforme o potencial de poder dos seus agentes. Obviamente, a força organizada pelo Estado, acreditada e apoiada pelos setores socioraciais interessados, é a mais virulenta e cruel. Isto ocorre porque ela dispõe de maiores recursos materiais e simbólicos. A combinação do racismo com a força de Estado, mesmo quando se vive em uma democracia formal, resulta em algo monstruoso.
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A neurose social resultante, tão bem explorada no filme Crash, remete ao velho problema de como uma sociedade se organiza em um quadro interno de choque de classes e culturas. A resposta individual circunscreve-se na loucura, quando se aceita a ordem estabelecida, e na libertação e rebeldia quando se admite que esta ordem é injusta e precisa ser modificada. O casal negro de classe média que representa um dos dramas do filme resume o problema com uma interpretação magnífica de Thandie Newton e Terrence Howard.
No seu conjunto, o filme é um retrato hiperrealista dos problemas internos do país que pode ajudar a explicar a política externa em vigor. Os EUA, depois da Queda do Muro de Berlim em 1989 e o do 11 de setembro de 2001, revalorizaram os seus velhos fantasmas internos. O inimigo não é mais o comunismo. Este é passado e interessa aos historiadores. O inimigo do presente está dentro e fora do país, representado por etnias e culturas que não conseguem se integrar plenamente no american dream.
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Ao considerar os outros, os diferentes, como os novos alvos preferenciais, o país retorna a velhos mitos do século XIX. Estes são os da construção de uma sociedade baseada no poder e na ação de indivíduos armados, tanto dentro como fora do país. A luta destes, habilmente dirigida por interesses empresariais e governamentais, é contra qualquer ameaça interna e externa. Se esta ameaça não é tão forte assim, basta potencializá-la com o recurso da propaganda e da retórica oficial.
O que o filme também mostra, com um deslize aqui e acolá, é que a sociedade norte-americana é constituída por imensa pluralidade étnica e cultural. Esta cresce sem parar. O próprio filme é um exemplo da multiplicidade de opiniões que circulam por lá. Chegará o momento em que a humanidade representada por todas as etnias que vivem nos EUA fará valer o fato de que a nação norte-americana deverá buscar suas raízes para além da violência, que é um dos aspectos de sua história.
Muitos norte-americanos sabem da imensa capacidade de seu país de criar soluções para os problemas da humanidade. Várias das soluções políticas humanistas do mundo do trabalho e da consciência social universal nasceram nos EUA. As mudanças da política externa norte-americana atual consistem em problemas que interessam o conjunto dos povos, inclusive aos próprios norte-americanos.
Como já ocorreu em outros momentos da história daquele país, os problemas internos levarão a pressões para se alterarem as metas do país para o mundo. A luta interna e externa contra a atual ordem mundial não pode ser concebida ou vencida por todos lados, apenas com o uso da força. Ninguém será integralmente convencido por força do poderio bélico ou pela ameaça de reações fora de lugar. A verdadeira arena onde estas batalhas serão vencidas será construída no terreno do convencimento. Este será validado, se baseado em argumentos que comprovem seus fundamentos e que proponham soluções para os problemas da humanidade. Assim seja!

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