Monday, November 21, 2005

HAROLD PINTER


HAROLD PINTER (PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA 2005)
Discurso de Turim


Por ocasião do doutoramento honoris causa

27 de Novembro de 2002



Fui este ano sujeito a uma operação complicada a um cancro. A operação e os efeitos dela resultantes tiveram qualquer coisa de pesadelo. Senti que era um homem incapaz de nadar que se agitava debaixo de água num oceano profundo, escuro infindável. Mas não me afoguei e estou muito contente por estar vivo. No entanto, pareceu-me que emergir de um pesadelo pessoal foi entrar num pesadelo público infinitamente mais disseminado – o pesadelo da histeria, ignorância, estupidez, e beligerância americanas: a mais poderosa nação que o mundo alguma vez conheceu em guerra aberta com o resto do mundo. “Se não estiverem connosco, estão contra nós”, disse o presidente Bush.
Também disse que “Não vamos permitir que as piores armas do mundo permaneçam nas mãos dos piores líderes do mundo”.
Certíssimo. Olha ao espelho, pá. És tu.
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Os Estados Unidos estão neste momento a desenvolver avançados sistemas de “armas de destruição maciça” e estão preparados para usa-las onde acharem adequado. Têm mais armas destas que o resto do mundo todo junto. Não quiseram assinar acordos internacionais sobre armas biológicas e químicas, recusando-se a permitir que as próprias fábricas sejam inspeccionadas. A hipocrisia por detrás das suas declarações públicas e das suas próprias acções é quase uma piada.
Os Estados Unidos acreditam que as três mil mortes em Nova Iorque são as únicas mortes que realmente interessam. São mortes americanas. Quaisquer outras mortes são irreais, abstractas, inconsequentes.
As três mil mortes do Afeganistão nunca são referidas.
As centenas de milhares de crianças iraquianas mortas por causa das sanções norte americanas e britânicas nunca são referidas.
O efeito do urânio empobrecido, usado pela América na guerra do Golfo, nunca é referido. Os níveis de radiação no Iraque são alarmantemente altos. Há bebés que nascem sem cérebro, sem olhos sem órgãos genitais. Quando têm orelhas, bocas ou rectos, tudo o que sai desses orifícios é sangue.
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As duzentas mil mortes em Timor-leste em 1975 provocadas pelo governo Indonésio mas inspiradas e apoiadas pelos Estados Unidos nunca são referidas.
O meio milhão de mortes na Guatemala, Chile, El Salvador, Nicarágua, Argentina e Haiti e acções apoiadas e subsidiadas plos Estados Unidos nunca é referido.
Os milhões de mortes no Vietname, Laos e Cambodja já não são referidos.
A situação desesperada do Povo Palestiniano, o factor central da instabilidade mundial, dificilmente é referida.
Mas que juízo errado do presente que tresleitura da História tudo isto é.
As pessoas não esquecem. Não esquecem a morte dos seus companheiros, não esquecem a tortura e a mutilação, não esquecem a injustiça ,não esquecem a opressão, não esquecem o terrorismo das grandes potências. Não só não esquecem. Contra-atacam.
A atrocidade de Nova Iorque era previsível e inevitável.
Foi um acto de retaliação contra as manifestações constantes e sistemáticas de terrorismo de estado por parte dos Estados Unidos da América ao longo de muitos anos, em todas as partes do mundo.
Na Grã-bretanha, a sociedade está agora avisada para que esteja “vigilante” relativamente à preparação de potenciais actos terroristas. A linguagem é em si grotesca. Como será – ou como poderá ser – materializada a vigilância pública? Usando um lenço por cima da boca como protecção contra o gás venenoso? No entanto, os ataques terroristas são bastante prováveis, o resultado inevitável da subserviência desprezível e vergonhosa do nosso primeiro-ministro face aos Estados Unidos. Aparentemente, um ataque terrorista com gás venenoso no sistema do Metro de Londres foi recentemente evitado. Mas um acto assim pode, de facto, ter lugar.
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Milhares de crianças das escolas viajam diariamente no Metro de Londres. Se houver um ataque com gás venenoso que lhes provoque a morte, a responsabilidade cairá inteiramente sobre os ombros do nosso primeiro-ministro. Nem é preciso dizer que o primeiro-ministro não anda de metro.
A guerra planeada contra o Iraque é, de facto, um plano para o homicídio premeditado de milhares de civis de forma, aparentemente, a salvá-los do seu ditador.
Os Estados Unidos e a Grã-bretanha estão a seguir um rumo que apenas pode levar a uma escalada de violência por todo o mundo e finalmente à catástrofe.
É óbvio, no entanto, que os Estados Unidos estão desejosos de atacar o Iraque. Eu acredito que o vão fazer – não apenas para controlar o petróleo Iraquiano – mas porque a administração norte-americana é actualmente um animal selvajem sedento de sangue.
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As bombas são o seu único vocabulário. Muitos americanos, sabemo-lo, estão horrorizados com a postura do seu governo mas parecem não poder fazer nada.
A menos que a Europa encontre solidariedade, a inteligência, a coragem e a vontade para desafiar e resistir ao poder dos EUA, a própria Europa merecerá a definição da Alexander Herzen: “Não somos médicos. Somos a doença”.






Texto extraído da obra “GUERRA” de HAROLD PINTER, publicado pelas “Quasi” edições
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