Friday, January 13, 2006

OPINIÃO


LUÍS JOSÉ MOLEIRO DOS SANTOS
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(282425857



MISTIFICAÇÕES


Se bem que o início oficial da campanha eleitoral para a presidência da república tenha sido no dia 8 de Janeiro, a verdade é que quase todos os candidatos já se encontram, há meses, em plena actividade. Os outdoors multiplicam-se por todo o lado, as entrevistas, os debates, os pseudo-debates, as sondagens e as reportagens enxameiam os meios de comunicação social, assim como a realização de comícios, jantares e encontros de apoiantes.
Os tampos mudaram e a velha militância já não produz resultados significativos na forma de mobilizar os eleitores. As actuais campanhas eleitorais já pouco têm a ver com o que se fazia há vinte ou trinta anos e exigem avultados gastos financeiros. Quem tiver muito dinheiro e poucas ideias pode, facilmente, candidatar-se porque, como dizia, em tempos, o director de uma estação de televisão privada, consegue-se vender tão bem um presidente da república como uma marca de sabonetes…Quem tiver excelentes ideias e pouco dinheiro não vale a pena apresentar-se aos eleitores porque nem sequer irão notar que existe. A imagem e o espectáculo são fundamentais em detrimento das ideias. Isto leva a que, muitas vezes, a prática política dos eleitos seja uma repetida desilusão para os que neles depositaram a sua confiança. As últimas eleições para a Assembleia da República são o exemplo mais acabado desta experiência.
Por isso, não nos devemos distrair com os cantos de seria de certos candidatos para que, depois, o céu não nos caia em cima da cabeça. É que não podemos pedir que nos devolvam o voto.
Na hora de optarmos por um determinado candidato, é importante conhecermos as propostas que fez durante a campanha eleitoral mas, sobretudo, é fundamental que tenhamos presente a sua prática anterior. Essa é que nos permite fazer uma escolha garantida a longo prazo, com poucas hipóteses de nos enganarmos.
Quem não estiver distraído, sabe que a candidatura da direita unificada – mas não unida - assenta num conjunto de mistificações que, não sendo interiorizadas pela maioria dos eleitores, pode produzir consequências indesejáveis.
É fácil descortinar, a esmo, algumas dessas mistificações:
a) Desde logo o tabu que constituiu a decisão de se candidatar por parte do prof. Cavaco. É claro como água que esta resolução tem, pelo menos, dez anos, ou seja, data do momento da sua derrota, quando concorreu contra o actual Presidente da República. Desde essa altura que vem sendo meticulosamente preparada, ao mais pequeno pormenor, com aparecimentos meteóricos do professor, em momentos chave. Aliás, a solução do tabu acabou por ter uma encenação mal elaborada que só pode ter convencido alguns incautos;
b) A mal disfarçada tendência autoritária que o então primeiro-ministro Cavaco Silva revelou por várias vezes e que, na altura, os portugueses rejeitaram liminarmente;
É bom não esquecer a tentativa de acabar com o feriado de terça-feira de Carnaval, a repressão policial que se abateu sobre os vidreiros da Marinha Grande, sobre as manifestações de estudantes do Ensino Superior, sobre a indignação popular que levou ao buzinão na ponte 25 de Abril e, inclusive, sobre os próprios polícias que, no terreiro do Paço, se manifestavam na defesa dos seus direitos, no célebre episódio dos “secos e molhados”;
c)A intolerância revelada na tentativa de censura do livro de José Saramago “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”;
d)A dificuldade de lidar com o regime democrático através da denúncia das chamadas “forças de bloqueio”, instituições como, põe exemplo, o Tribunal de Contas e a Presidência da República a que estão entregues missões constitucionais importantes no controle de excessos abusos da governação;
e)A conhecida fuga sistemática ao debate político por parte do prof. Cavaco, numa demonstração de aversão ao confronto de ideias;
f)A frieza com que se alheou da situação que envolveu a então Ministra da Saúde, Leonor Beleza, no caso dos hemofílicos que receberam sangue contaminado com o vírus da Sida;
g)A recusa em apoiar o candidato a primeiro-ministro do PSD nas últimas eleições legislativas, negando-se a aparecer nos cartazes da campanha eleitoral;
h)A afirmação de uma candidatura “suprapartidária” e “independente” quando se sabe que quase todos os 21 directores de campanha distritais são do seu partido e é a máquina partidária do PSD que apoia a campanha a nível nacional;
i)A “arrogância política e em estado puro” como lhe chama Fernando Rosas quando recorda a célebre frase “nunca me engano e raramente tenho dúvidas”;
j)O abandono do governo pelo prof. Cavaco em 1995, deixando-o entregue a Fernando Nogueira, quando surgia no horizonte o fantasma da derrota do PSD;
l)A farsa ao cantar “Grândola Vila Morena” quando se sabe que recusou uma pensão ao capitão Salgueiro Maia na mesma altura em que premiava torcionários da PIDE por bons serviços prestados;
m) O desinteresse dos governos “cavaquistas” por políticas sociais. Foi nessa altura que se verificou o aumento da idade da reforma para as mulheres;
“Pode alguém ser quem não é”, o verso de um poema cantado por Sérgio Godinho é uma ideia que assenta como uma luva no candidato Cavaco Silva, porque cada um de nós é o que é o nosso passado. Uma pessoa que, num cargo político determinante, agiu com frieza, calculismo, autoritarismo, intolerância, arrogância e desinteresse pelo sofrimento alheio não tem autoridade moral para, num passo de mágica, se apresentar como interventor decisivo na defesa dos interesses dos mais desprotegidos, na solidariedade social, no diálogo, na compreensão e na tolerância. Enfim, pode um falcão metamorfosear-se em pomba?.
Seria muito avisado que cada um dos eleitores portugueses fizesse esta reflexão antes de depositar o seu voto no próximo dia 22 de Janeiro.

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