Tuesday, January 17, 2006

BRASIL








João Pedro StédileBiblioteca de artigos temáticos


Quem representa a direita no campo no Brasil?



A classe dominante no meio rural se divide em categorias. A velha oligarquia é a dos latifundiários atrasados que mantêm áreas improdutivas, baixo nível de desenvolvimento tecnológico e se dedicam à pecuária. Têm uma visão especulativa da natureza – são os gigolôs de vacas, como dizemos no Rio Grande do Sul. Acumulam apenas com o que a natureza lhes permite. Depois, há uma burguesia agrária altamente capitalizada, em geral associada a transnacionais e que atua no comércio e na agroindústria.
Suas propriedades têm ao redor de 1.000 hectares. São os capitalistas modernos: fazem uso intensivo da mecanização e de insumos industriais. Suas fazendas são monoculturas, especializadas num produto direcionado quase sempre para o mercado externo, é o agronegócio. Um terceiro segmento é o da pequena burguesia agrária, que possui de 200 a 1.000 hectares, tenta se capitalizar, mas enfrenta contradições com as transnacionais. São os médios produtores, cujo grosso está no Sul e no Sudeste. Muitos não conseguem pagar os empréstimos e estão em crise. Cada grupo tem suas respectivas representações políticas.
Os latifundiários se articulam em clubes locais, ao redor das prefeituras ou de algum partido político, como o PFL, que aglutina esse pessoal. Eles têm organizações locais, regionais. No Pontal do Paranapanema é a União Democrática Ruralista (UDR), que deixou de ter alcance nacional. São ignorantes, violentos, defensores do patrimônio a qualquer custo. É esse pessoal que sempre se dedicou à criação de animais e acaba ficando parecido com eles, trata as pessoas como se fossem bois. É o mais atrasado ideologicamente. Porque o cara tem 5.000 hectares e 3.000 bois e com meia dúzia de peões, também atrasados porque só sabem andar a cavalo, ele toca a produção. Não há divisão de trabalho, nada. Já o pessoal do agronegócio tem várias representações políticas.
Tem a Sociedade Rural Brasileira, o presidente é o João Sampaio, economista com curso no exterior, entende de comércio internacional, cara jovem, 39 anos, forma uma classe da direita diferenciada.
Tem também a Organização das Cooperativas Brasileiras, do pessoal do Roberto Rodrigues, que chegou a fundar a Associação Brasileira de Agribusiness. Esse pessoal não é bravo, já passou pelo período iluminista da civilização. São os típicos capitalistas, reagem de acordo com o mercado. Como em geral as propriedades deles são produtivas, não se preocupam tanto com a reforma, mas do ponto de vista do Brasil têm postura oportunista.
Não pensam um projeto de país. Querem ter lucro. Na prática, o agronegócio é o velho sistema de plantation, maquilado. E pior: associado agora às transnacionais.
O agronegócio é, do ponto de vista de classes e interesses estratégicos, a aceitação subordinada da classe agrária dominante brasileira aos interesses imperialistas. Por fim, há uma média burguesia, que tem de 100 a 1.000 hectares.
Talvez a que mais a represente seja a Confederação Nacional da Agricultura, que é a representação patronal sindical. Mas há também uma proliferação de associações regionais por ramo de produção, Associação Brasileira de Avicultura, dos Criadores de Nelore, de Gado Zebu, de Búfalos. Elas representam politicamente cada segmento».
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E o capital estrangeiro?
João Pedro Stédile : «Hoje, ele não aplica mais em terras, embora no cadastro do INCRA apareçam pessoas jurídicas estrangeiras com 30 milhões de hectares. Um São Paulo e meio! Mas é fruto do regime militar, que permitia às empresas aplicar em terras parte do imposto de renda. Então, muitas multinacionais, como a Volkswagen, a Pirelli, investiram para reserva de valor ou em grandes fazendas de gado. Uai, em vez de pagar imposto, fica com o patrimônio! Mas hoje, não. Há um fenômeno novo, resultante da nova lógica de acumulação do capital internacional na sua etapa neoliberal, hegemonizada pelo capital financeiro.
Os bancos agora concentram seu dinheiro em grandes empresas transnacionais. Aumentam o valor e o poder de operação delas, que controlam todo o segmento produtivo da agricultura, o comércio agrícola exterior e as grandes agroindústrias para padronizar os alimentos. E estão dando um passo a mais: estão controlando as sementes, daí a necessidade de liberar os transgênicos, única forma que lhes permitia instituir o patenteamento sobre as sementes. As sementes comuns estão aí e ninguém pode dizer “essa é minha”. Mas nos transgênicos sim. Pela lei de patentes, ele pode registrar “essa semente é minha, eu criei”. E, com isso, cobrar royalties e controlar o comércio daquela semente. É o que fazem a Monsanto, a Cargill, a Cygenta. Então, o setor capitalista que hoje controla a agricultura são as corporações transnacionais que, com o neoliberalismo, receberam uma injeção muito grande de capital financeiro. Em dez anos, a Monsanto explodiu. Porque os bancos compraram ações e injetaram capital nela. Com isso, ela conseguiu controlar o comércio de grãos (soja e milho), ter fábricas de óleo, de veneno (o herbicida Round Up), patentear a soja transgênica e ainda produzir remédios. Isso é um processo dos últimos dez, quinze anos. Hoje, as grandes multinacionais são o núcleo central de dominação da agricultura brasileira, seja em grãos, seja em laticínios. São elas: Bunge, Cargill, Monsanto – que controlam toda a área de grãos do mundo (milho, trigo, soja, cevada e arroz) –, Cygenta, Novartis – que é também indústria química –, Basf, Bayer, Nestlé e Danone. Nos frigoríficos já começa a participação de capital estrangeiro. A Perdigão tem capital argentino. A Sadia tem uma trading de exportação de capital francês. Enfim, tudo já foi desnacionalizado».
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Há um novo e poderoso adversário internacional a enfrentar?
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João Pedro Stédile : «Sim. Hoje, os 4 milhões de camponeses que tentam desenvolver uma agricultura baseada no trabalho familiar, na policultura e no mercado de alimentos interno enfrentam essas multinacionais. Enfrentamento ainda mais difícil porque depende de um novo modelo econômico, depende de derrotar o neoliberalismo.
Quando o sem-terra derrota o latifúndio e organiza um assentamento, ele também passa por essa contradição, de se juntar aos camponeses tradicionais para enfrentar o modelo. Porque o INCRA vai lá e diz: “Vocês têm de botar gado de leite”.
Depois de tirar o leite, vendo pra quem? Para a Nestlé, a Danone, a Parmalat. Continuo sendo explorado. Há no campo quatro grandes contradições.
Primeira, o pobre do campo, o sem-terra, com o latifundiário atrasado.
Segunda, o camponês com o agronegócio associado às multinacionais.
Terceira: o proletariado rural com o seu patrão, daí disputa salário, trabalho o ano inteiro, direitos sociais, FGTS. Tem ainda o trabalho escravo, que abrange uma categoria de proletários superexplorados cujos salários não pagam nem a comida.
E a última contradição é a herança do Fernando Henrique, acentuada no governo Lula, com a Dilma Roussef: privatizaram o processo de construção de barragens. Está prevista para os próximos dez, quinze anos a construção de mais de duzentas barragens hidrelétricas.
Assim, o capital estrangeiro monopolizou a construção e a propriedade de energia elétrica.
Há as brasileiras Camargo Corrêia, Odebrecht, CR Almeida, Votorantim, o resto é tudo multinacional. Antes, os agricultores atingidos pelo lago lutavam com o Estado, e os companheiros tinham o direito de reassentamento garantido.
Agora, a multinacional diz que o reassentamento não está no contrato, e o agricultor – são milhares – que se vire».
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Como a direita consegue vencer o embate?
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João Pedro Stédile : «Primeiro, porque o agronegócio é a versão na agricultura do modelo neoliberal. Não conseguimos derrotar o modo de organizar a produção agrícola neoliberal sem derrotar o modelo. Essa é a nossa briga com o governo Lula. Manter a política econômica neoliberal é manter essa forma de dominação. É preciso uma mobilização nacional da sociedade. O segundo motivo é a aliança histórica da classe dominante agrícola com o imperialismo e as multinacionais, que têm hegemonia na sociedade e dominam os meios de comunicação. A televisão, as três grandes revistas semanais e os quatro grandes jornais são instrumentos de luta ideológica permanente em defesa do agronegócio e contra o modelo de agricultura familiar. A família Saad, da TV Bandeirantes, tem fazenda no Pontal. Os Mesquita são ligados à oligarquia rural cafeeira paulista. A Veja vendeu 15 por cento de suas ações para bancos multinacionais. A Folha se diz independente, mas o velho Frias é proprietário de um rebanho de leite, em São José dos Campos, tem quinhentas, seiscentas vacas».
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Como o presidente Lula tem tratado a questão?
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João Pedro Stédile : «De maneira ignorante, pífia. Na trajetória do PT e até o programa de governo, se dizia que a prioridade era estimular a agricultura familiar. Quando subiram ao governo, mudaram um pouco o discurso, começaram a dizer que era compatível o agronegócio com a agricultura familiar. Eles são compatíveis, mas se trata de qual modelo priorizar. E o governo priorizou o agronegócio.
Até porque, como o dólar estava lá em cima, e havia a expansão de certas commodities agrícolas, o governo – pela política neoliberal – estimulou a exportação de matérias–primas agrícolas, o que é uma burrice, para arrecadar dólares de que eles precisavam para devolver no pagamento da dívida externa.
Para a agricultura familiar, o governo Lula manteve um aspecto positivo, mas insuficiente: aumentou o volume de recursos para o crédito. Mas isso não representa quase nada, porque são 4 milhões de agricultores familiares e os outros 4 milhões de trabalhadores sem-terra, 8 milhões de famílias de camponeses. E o número de contratos anuais que o Programa Nacional da Agricultura Familiar tem, para assentados e pequenos agricultores, é de 1,5 milhão, o que demonstra ser o crédito um instrumento limitado como política agrícola».
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