Friday, January 27, 2006



As responsabilidades da comunidade internacional


de Miguel Portas
Para a os orgãos de comunicação social


Declaração 01/06, 26 de Janeiro de 2006



Os palestinianos ainda não têm um Estado, mas já têm democracia. Esta a primeira conclusão que se deve tirar do acto eleitoral ontem realizado na Palestina.Os palestinianos afluíram em massa às urnas, e aí exprimiram uma forte vontade de mudança. Esse, o significado de uma participação eleitoral que se aproximou dos 80 por cento, e da vitória alcançada pelo Hamas.
As eleições palestinianas são um exemplo de democracia no mundo árabe.



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Como observador do meu grupo no Parlamento Europeu estive em Nablus, Jabba, Jenin e Jerusalém. Entrei em secções de voto aleatoriamente escolhidas e (com excepção de Jerusalém) pude comprovar que a votação decorreu de forma limpa – com cadernos eleitorais no exterior das salas de voto, com boletins claros, garantia de voto secreto e bom funcionamento dos secretariados eleitorais.
Essa foi a impressão que recolheram, igualmente, dezenas de observadores internacionais com quem troquei impressões.Não apenas o dia do voto decorreu com normalidade; também a campanha decorreu sem incidentes de maior.
No mundo árabe, as eleições palestinianas são um exemplo de transparência e pluralismo que deve realçado, independentemente dos resultados.


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Num único local as votações não foram regulares – em Jerusalém. Aí, vários candidatos e candidatas foram impedidos de fazer campanha e detidos pelas autoridades israelitas; apenas puderam exercer o seu direito de voto seis mil dos 130 mil palestinianos em idade de votar, que vivem em Jerusalém leste - menos de 5 por cento do universo eleitoral. E a maioria destes acabou por exercer o seu direito no Posto de Correios vizinho à cidade velha, preenchendo os boletins de voto à vista de funcionários israelitas.
Finalmente, jovens militantes da Fatah decidiram responder a estas condições anti-democráticas com slogans e cânticos partidários à porta do posto de correio… Em Jerusalém, reeditaram-se os problemas ocorridos durante a eleição presidencial. Mas a responsabilidade pertence ao Estado de Israel, que tem a jurisdição sobre toda a cidade.



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O responsável maior pela vitória do Hamas é a Comunidade Internacional.O povo palestiniano exprimiu uma vontade clara de mudança face à situação de exasperação em que é forçado a viver. Essa vontade não pode ser reduzida a um desejo de “islamização” da mais secular, plural e aberta das sociedades árabes. O voto no Hamas exprime, acima de tudo, um protesto muito alargado da sociedade palestiniana, o que acusa e responsabiliza não apenas a Autoridade Palestiniana, mas também a Comunidade Internacional.
A Comunidade Internacional não foi capaz de impedir a construção do muro e de centenas de check points que transformaram a vida dos palestinianos num inferno; não foi capaz de obrigar o Estado de Israel a abandonar a sua política unilateral, obrigando-o ao “roteiro de paz” que havia subscrito; incapaz de condenar a violência do ocupante, centrou todas as suas críticas na violência dos ocupados; e em face da continuação das execuções extra-judiciais depois da retirada de Gaza, não teve a palavra forte que se impunha.


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A consequência desta política de dois pesos e duas medidas, da ausência de firmeza na defesa do Direito Internacional e de permanentes ziguezagues, está à vista. Um povo levado ao desespero escolheu quem lhe pareceu interpretar melhor essa exasperação.A Comunidade Internacional perdeu a oportunidade histórica de uma política ousada de iniciativa, em simultâneo com o início do processo de legitimação democrática iniciado após a morte de Yasser Arafat. Se, após as eleições presidenciais e a declaração de tréguas pelos grupos armados palestinianos, a Comunidade Internacional, em vez do aplauso ao unilateralismo, tivesse imposto o regresso à mesa de negociações, talvez os resultados pudessem ter sido diferentes. Mais do que nunca, esta lição é preciosa para os próximos tempos.


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Em particular, a União Europeia foi incapaz de actuar a uma só voz. Javier Solana primeiro, a presidência austríaca em seguida, e ainda um grupo de eurodeputados de centro e direita, alinharam com o discurso israelita que visava impedir o Hamas de participar nas eleições e chegaram mesmo a ameaçar com o não cumprimento dos acordos financeiros, em caso de vitória do Hamas. Este tipo de declarações e tomadas de posição atiraram para os braços do Hamas milhares e milhares de palestinianos indignados com as ingerências externas na sua escolha democrática.


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A arrogância deste discurso, a par da falência das políticas, contribuiu para que os sentimentos de orgulho nacional se exprimissem no Hamas e não nos interlocutores de uma Autoridade Palestiniana enfraquecida interna e externamente. O Hamas, que é uma força simultaneamente social, religiosa, militar e política, beneficiou igualmente do processo de desintegração da Fatah e da divisão da esquerda laica em múltiplos partidos incapazes de se entenderem entre si. O voto na corrente islamista acusa, assim, a persistência das desigualdades sociais e de práticas de corrupção e autoritarismo imputáveis à Fatah e à Autoridade Palestiniana. É uma tragédia que sentimentos e aspirações populares de maior justiça social se expressem no voto do mais conservador dos partidos palestinianos; mas também é verdade que essa escolha foi livre e democraticamente indiscutível. O pior que a comunidade internacional e Israel podem agora fazer é não reconhecer o próximo governo como interlocutor válido e procurarem castigar os eleitores com retaliações ou falta a compromissos assumidos. Mais do que nunca, o novo quadro exige iniciativa política e diplomática, e não a persistência dos erros.



Miguel Portas

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