Wednesday, December 07, 2005
A Presidência Britânica da UE
Em Junho passado, a Presidência inglesa inviabilizou um acordo sobre as Perspectivas Financeiras da União, com base no argumento de que existia dinheiro a mais para a Agricultura e de menos para o crescimento económico. À época, Tony Blair não hesitou sequer em afirmar que estaria na disposição de abrir mão do chamado cheque britânico contra mudanças na Política Agrícola Comum, que se traduzissem numa redução do seu peso orçamental.
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Seis meses passados, o primeiro-ministro apresenta uma nova proposta. Nela, não se toca na PAC. A novidade é uma quebra das despesas globais em relação à proposta do Luxemburgo, estimada em 175 mil milhões de euros para o período de 2007 a 2013. De repente, evaporaram-se as críticas à PAC. E ficou o real objectivo da manobra de Junho: construir as condições para a reconstituir o “clube 1 por cento”.A segunda novidade da proposta confirma as reais intenções britânicas. A fatia de leão dos cortes incide agora sobre os Fundos de Coesão, em particular os dirigidos aos novos países que aderiram à União. Por outras palavras, Tony Blair procura reconstruir a unidade entre os governos dos países mais ricos, propondo um orçamento global mais pequeno – e portanto, a redução das contribuições dos Estados –, ao mesmo tempo que instala a divisão e o “salve-se quem puder” entre os países mais fracos. A França deixa de ser um problema e transforma-se mesmo numa aliada. A pressão dirige-se agora aos países do alargamento e é mensurável em cortes na ordem dos 140 mil milhões de euros. “Generoso”, Blair dispõe-se a prescindir de 35 mil milhões de euros de reembolso do chamado “cheque britânico”…
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Ao mesmo tempo que foi lançando a proposta nos Media, Londres encontrou-se com os países do Leste e explicou-lhes a coisa. Não imagino como lhes terá falado, se na linguagem de “pegar ou largar”, ou se na da cumplicidade ideológica. Provavelmente nas duas. O certo é que os países do Leste europeu serão tentados a um acordo para uma versão melhorada da proposta de Londres, que mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. E deixarão a diferença entre este arranjo e a proposta de Tony Blair, a cargo dos países mais antigos do grupo dos Fundos de Coesão. Entre outros, aí está Portugal, uma pequena nação com larga tradição em matéria de acordos “equilibrados” com a ilha de Sua Majestade…
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A gravidade da proposta de Londres é dupla: quando a Europa precisaria de Orçamentos Comunitários expansivos para combater a crise social e económica em que está mergulhada, Londres aponta o caminho inverso, aquele que faz da Europa cada vez menos Europa; e quando seria vital perceber que a aproximação de níveis de vida entre os países, não define apenas critérios de solidariedade na União, como é de utilidade para todos, a proposta de Londres afasta ainda mais o horizonte da convergência entre os países das periferias e o centro da Europa.
O governo português terá de conduzir as negociações no contexto desta operação de “dividir para reinar”. Sabe que os países mais fracos precisam de um acordo que lhes permita avançar com segurança para o planeamento dos investimentos públicos com comparticipação europeia. Mas não sei se sabe que não pode ser cego. Se a União inverter, pela primeira vez na sua história, a tendência de crescimento relativo dos orçamentos, e o fizer à custa do princípio da coesão, isso desenha a jurisprudência que será invocada de futuro. Não serve qualquer acordo.
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No limite, acordo nenhum pode ser melhor do que um acordo que estrutura, para o futuro, os sinais errados.Infelizmente, é para aí que tudo se orienta. E a tradição nacional do “bom aluno” pesa na cabeça dos nossos responsáveis.
Não está apenas em causa saber quanto é que Portugal poderá vir ainda a perder. Está em causa a natureza do próprio projecto europeu.
O que começa mal dificilmente se endireita. Os governos, todos de inspiração neoliberal, mais ou menos temperada, interiorizaram a política do “menos Estado, melhor Estado”. Agora apanham com o “menos Europa, melhor Europa”. Estava inscrito nos astros. Não se pode defender o Pacto de Estabilidade, o défice zero e o mais que se sabe sobre as mágicas virtudes do mercado, e depois reclamar uma Europa com capacidade redistributiva. Os países do grupo da Coesão partiram para as Perspectivas Financeiras ideologicamente derrotados à partida.
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Quando seria necessário exigir um Orçamento Comunitário que representasse pelo menos 2 por cento da riqueza gerada na União – significando isso uma reforma dos recursos, com admissão de dívida pública europeia e uma política ousada de fiscalidade comum – ficaram-se pelas “regras do jogo”. Jogaram as “regras do jogo”. E perderam. As “regras” chegaram a ser, um dia, promissoras - 1,24 por cento (embora lá nunca se tenha chegado) do RNB. No início deste ano, a promessa ainda voava por 1,14 por cento, na proposta da própria Comissão. Mais tarde, no Parlamento, os “realistas” impuseram 1,08 por cento, a ver se os governos não baixavam daí. Quando chegou a cimeira do Verão, a presidência luxemburguesa agarrava-se a 1,06… Mas nem esta “enormidade” era aceitável para o clube dos ricos. Assim se chega a 1,03 por cento do RNB europeu, a última proposta de Londres. Sob um imenso coro de protestos e lágrimas de crocodilo contra os “egoísmos nacionais” que, se tudo correr bem, se transformarão, obviamente, em loas à capacidade da União se superar e à sua crise...
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Miguel Portas - Eurodeputado do Bloco de Esquerda
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