Para Luiz Gonzaga Belluzzo, “faltou coragem ao governo Lula”
Por Valéria Nader e José Damião Vasconcelos
Para comentar a política econômica do governo Lula, entrevistamos o economista e professor da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo, vencedor do prêmio Intelectual do Ano 2005
– Troféu Juca Pato, concedido pela União Brasileira de Escritores.
Segundo Belluzzo, as políticas aplicadas pelo governo Lula deixam “o Brasil mais atrasado em temos relativos do que há 20 anos atrás”.
Correio da Cidadania: Havia alternativa, no início de 2003, à continuidade de uma política econômica ortodoxa - justificada inicialmente pelo governo Lula em função da impossibilidade de se proceder a uma mudança abrupta nos rumos da economia?
Luiz Gonzaga Belluzzo: Na verdade, 2002 foi um ano muito difícil, com a taxa de risco subindo e o câmbio se desvalorizando fortemente. Havia, na realidade, dois fatores decisivos: primeiro, uma contração temporária da liquidez mundial; segundo, a suspeita do mercado financeiro de que o Brasil teria uma saída igual à da Argentina - mesmo com a situação brasileira sendo totalmente diferente da do país vizinho, por várias razões.
Por Valéria Nader e José Damião Vasconcelos
Para comentar a política econômica do governo Lula, entrevistamos o economista e professor da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo, vencedor do prêmio Intelectual do Ano 2005
– Troféu Juca Pato, concedido pela União Brasileira de Escritores.
Segundo Belluzzo, as políticas aplicadas pelo governo Lula deixam “o Brasil mais atrasado em temos relativos do que há 20 anos atrás”.
Correio da Cidadania: Havia alternativa, no início de 2003, à continuidade de uma política econômica ortodoxa - justificada inicialmente pelo governo Lula em função da impossibilidade de se proceder a uma mudança abrupta nos rumos da economia?
Luiz Gonzaga Belluzzo: Na verdade, 2002 foi um ano muito difícil, com a taxa de risco subindo e o câmbio se desvalorizando fortemente. Havia, na realidade, dois fatores decisivos: primeiro, uma contração temporária da liquidez mundial; segundo, a suspeita do mercado financeiro de que o Brasil teria uma saída igual à da Argentina - mesmo com a situação brasileira sendo totalmente diferente da do país vizinho, por várias razões.
Nós já tínhamos feito a saída do câmbio semifixo; tínhamos uma situação mais equacionada no Balanço de Pagamento.
Porém, estávamos vivendo um choque inflacionário determinado pela desvalorização cambial.Tudo isso fez com que os mercados buscassem soluções. Mas, já no início de 2003, ficou claro que houve uma mudança na liquidez externa e que seriam tomadas algumas decisões de política econômica.
Exemplificando, podemos citar a política de controle da inflação por meio da fixação de metas muito apertadas - que tornou necessária uma política monetária muito dura, com perda de raio de manobra e capacidade de crescimento.
A política cambial foi, na realidade, movida pela taxa de juros - cuja valorização fez com que o Brasil perdesse ganhos que tinha obtido a duras penas. Hoje em dia, todo mundo diz que a exportação continuou crescendo; continuou sim, porque a situação mundial era muito favorável. Isso fez o Brasil crescer.
Mas de fato, do ponto de vista do desenvolvimento industrial e produtivo, o Brasil está hoje mais atrasado em temos relativos do que estava há 20 anos atrás.Esperava-se uma estrutura produtiva similar à de um país emergente como a China, mas o Brasil ficou muito atrasado. Alguns setores se atrofiaram, como o de eletroeletrônicos. O próprio setor de bens de capital se atrasou tecnologicamente.
Trata-se de um processo de desindustrialização, que só vai ser percebido quando terminar o “efeito financeirização” que nós estamos vivendo e que continua valorizando o câmbio, que continua fazendo com que a bolsa de valores brasileira suba - chegando a 30 mil pontos – e que transforma o Real em uma moeda semi-conversível. Essas condições permitem que o Brasil continue ampliando suas exportações, mas a composição destas reflete a nossa estrutura produtiva.
O Brasil está quase se transformado novamente em exportador de produtos agrícolas. Não é que seja ruim exportar, mas se nós crescermos 7% ou 8% ao ano, esse saldo comercial vai diminuir.
Com a retomada do investimento, as demandas de importações crescerão mais do que proporcionalmente, pois há muito tempo não se ouve falar de investimento industrial de porte no Brasil. Tudo isso por causa da relação com a qual trabalhamos: a relação câmbio versus juros.
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CC: Qual teria sido a mudança necessária já em 2003 para evitar o aprofundamento desse cenário de desindustrialização?LGB: Não seria necessária uma ruptura; poder-se-ia manejar a política cambial e monetária, ganhando espaço na política fiscal, para aumentar o investimento público que hoje faz falta. Isso teria reduzido muito mais rapidamente a relação dívida/PIB, porque a taxa de juros não seria tão alta. O que faltou foi capacidade política e um mínimo de coragem para contrariar os interesses do mercado financeiro, que, na realidade, estava cansado de fazer chantagem com o governo brasileiro.
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CC: Seria hoje possível mexer substancialmente na nossa taxa de juros, sem alterar o modelo econômico?
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LGB: O que nós precisamos é de uma taxa de crescimento maior, uma capacidade de inclusão maior, com criação de empregos. Precisamos de uma política social que sustente melhor o gasto em educação, saúde, transportes, que faça uma redução importante das pessoas que continuam na pobreza absoluta. Nós fizemos uma abertura financeira. Isso significa o seguinte: perdemos a liberdade de fazer política econômica. Hoje, é preciso liberar a política monetária desse constrangimento da abertura financeira abusiva, que restringe nossa autonomia sobre o controle moeda.
O ministro Antonio Palocci fez justamente o contrário. Por causa da política monetária, praticou-se uma política cambial que penaliza não só a produção para a exportação, mas, sobretudo, o investimento em produtos que estão sujeitos à concorrência do mercado externo, a substituição de importação.
Em função desse modelo econômico, o ministro penalizou o investimento em capacidade de produtividade nova: a nossa infra-estrutura está totalmente precarizada. A mudança na política econômica implica readquirir o controle das variáveis importantes do crescimento: câmbio, juros, gastos públicos.
São elas que definem o comportamento do setor privado, proporcionando uma política industrial. Qual é a política industrial do governo Lula? Alguém é capaz de dizer? Ninguém é capaz, eles não têm uma política.
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CC: Ressalta-se muito, principalmente neste ano de 2005, a queda da inflação, a recuperação da taxa de crescimento da economia, os saldos comerciais expressivos, a criação de mais de 3 milhões de empregos formais. São vitórias das quais se ufana o governo, pois seriam as provas incontestes da eficácia da política econômica adotada. Qual a realidade, ou melhor, a veracidade, desses dados e dessa interpretação?
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LGB: Se estabelecermos como padrão o que o mercado esperava do governo do PT, estas avaliações estão certas. As pessoas ligadas ao mercado celebram o sucesso. Agora, se olharmos a taxa de crescimento do Brasil em relação aos outros países em desenvolvimento, é um total fracasso. Em uma conjuntura internacional extremamente favorável, nós crescemos bem menos do que a Argentina, a Venezuela, a Turquia, países que saíram de uma crise.
Sob o ponto de vista do investimento, do emprego, tivemos um desempenho bem aquém do realizável. Com a ampliação do saldo comercial, a chamada vulnerabilidade externa foi reduzida. No entanto, nem assim se alcançou um nível adequado de reservas.
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CC: É intrigante que um modelo econômico que não gera o crescimento prometido e compromete os índices sociais encontre tanto respaldo entre expressivo número de economistas e a grande maioria dos meios de comunicação. A que se pode atribuir essa “unanimidade”, esse apoio quase incondicional?
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LGB: Isso é resultado do Estado brasileiro. Os meios de comunicação sempre foram assim: sempre defenderam posições conservadoras, “internacionalistas” - no mal sentido. Sempre acharam que deveríamos abrir a economia, que estava muito fechada, que estávamos pagando muito caro pelo produto nacional. Os economistas também.
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CC: Diante da conjuntura que está colocada hoje, o senhor acredita na implementação de alguma medida para mudar o rumo da economia?
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LGB: Acho que o governo vai se refugiar cada vez mais nesta política conservadora. Está bem clara essa proposta, pois a idéia de reduzir tarifas de importação foi o gesto emblemático do continuísmo da política econômica. Se você oferece normalmente 19% de juros ao mercado, quando tenta fazer uma política de juros mais baixos, eles vão reagir rapidamente.
A Argentina implementou uma saída: fizeram um compromisso com o FMI para um superávit primário de 3% do PIB e uma taxa de juros de 6,5% ao ano; pratica-se, ademais, uma política cambial defensora das exportações.
A economia vem crescendo a taxas elevadas, sem retaliação do mercado.
O Brasil vive um período muito favorável, porém não o aproveita. Quando o cenário mudar, vai ter sérios problemas. O câmbio deverá ser desvalorizado e nossa vulnerabilidade oculta emergirá na reversão do ciclo.
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CC: De que forma a atual crise política está mexendo nos blocos de poder estabelecidos e na organização e mobilização social? Em que medida estas mudanças interfeririam na possibilidade de invertermos o rumo de nossa economia?
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LGB: Primeiro, a crise política é um momento propício para a direita liquidar com qualquer possibilidade da esquerda, e não apenas com o PT. É uma oportunidade de desmoralizar as alternativas de esquerda. Trata-se, obviamente, de uma enganação, pois os problemas que os movimentos sociais colocam não irão acabar. É necessária uma resposta político-partidária, seja ela qual for. Acredito que os movimentos sociais vão levar a isso, e não vai demorar muito. A luta política cria esse espaço.
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