Wednesday, December 14, 2005

Português e Filosofia: filhos de um deus menor? O deputado João Teixeira Lopes afirmou na AR:


'o Governo decidiu dar uma machadada impiedosa na formação dos alunos que se candidatam ao Ensino Superior suprimindo os exames de Português e de Filosofia... Não merecemos esta «educação». Acima de tudo, não merecemos este Governo.'



Intervenção do deputado João Teixeira Lopes




Este Governo está a falhar na educação. Não bastavam os cortes orçamentais. Não bastavam as falsidades reincidentes de um Secretário de Estado que, em vez de ser imediatamente demitido (os exemplos também educam!), foi, ao invés, premiado com a confiança política do Primeiro-Ministro. Não bastava o espanto da Senhora Ministra, visitando uma escola, ao constatar que os professores não tinham gabinetes de trabalho onde lhes fosse possível preparar aulas ou receber alunos. Não bastava a despudorada tentativa do Governo em quebrar o poder sindical, reduzindo-o ao epíteto de mera acção corporativa (não estaremos na altura de questionar se não é este Governo uma mescla de famintas corporações, desejosas de se apoderarem dos bens públicos…). Não bastava a anunciada intenção de desrespeitar o princípio da “melhor graduação/melhor posição” na colocação de professores.
Não bastavam os dados recentes, de um estudo promovido pelo próprio Ministério do Ensino Superior, mostrando, pela crua evidência dos números, que apenas três em cada dez estudantes são provenientes das camadas sociais mais desfavorecidas. Não bastavam os aumentos brutais das propinas, superiores a 140%, fazendo do nosso país uma das sociedades europeias em que o peso com despesas de educação mais desgasta as famílias. Não bastava a revelação de que Portugal despende quase menos de metade com cada aluno do ensino superior do que a média da União Europeia (e no que se refere ao ensino básico e secundário continuar a repetir que gastamos tanto ou mais em termos de PIB é uma torpe falácia, já que não podemos comparar o PIB português com o Espanhol, o alemão ou o sueco!). Sabemos, agora, que o Governo decidiu dar uma machadada impiedosa na formação dos alunos que se candidatam ao Ensino Superior suprimindo os exames de Português e de Filosofia. É toda uma mentalidade que se vai revelando.
O pensamento único, a dominação dita pragmática, a tecnocracia sem alma e sem coração. A mesma que vê nos rankings a revelação do sistema educativo, reduzindo-o a um mercado, promovendo a competição cega em torno dos resultados escolares, favorecendo as práticas cada vez mais frequentes – embora informais ou clandestinas – de selecção social dos alunos pelas escolas, recusando os que provêm, por exemplo, dos bairros ditos «problemáticos» ou dos que possuem necessidades educativas especiais. Ou, ainda, fabricando turmas de excelência expurgadas da «escumalha», dos «resíduos», do «lixo escolar». Os exames nunca foram Alfa e Ómega da educação. Não acreditamos no fétichismo dos exames – a transformação, por magia, de um bárbaro num sabedor, após o acto «sagrado» de passar no exame. Sempre defendemos modalidades diversificadas de avaliação dos alunos: avaliação contínua, em laboratório ou oficina. Mas a desvalorização do português e da filosofia é toda uma ideologia. É a consagração de um saber e de um saber-fazer que despreza duas das fundamentais matrizes da formação humanista e científica. Direi mesmo: da formação ética, da maneira como vemos e organizamos a realidade. O padrão, agora, é uma mesquinha racionalidade técnico-científica. Racionalidade pequenina, apoucada, mutilada.
A língua materna é a pátria – sem fronteiras, sem exclusivismos, aberta à mestiçagem e à contínua (re)invenção. A Filosofia é o pensamento crítico e divergente, a reflexão, a ontologia, o ser e o estar no mundo. Que pessoas formamos, então? Cidadãos e cidadãs unidimensionais? Cómodos, resignados, conformados? Vergados à razão instrumental? Domesticados? Não merecemos esta «educação». Acima de tudo, não merecemos este Governo. Um Governo que aceita um modelo de desenvolvimento e de qualificação rente ao chão de um país que desiste do ensino superior, que desiste da língua portuguesa, que desiste do saber pensar.

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