5 e 12 de Outubro
No seu primeiro discurso como Presidente da República, nas comemorações do 5 Outubro, Cavaco Silva invocou a “ética republicana” e apontou baterias à corrupção, qual mancha de óleo que vem alastrando a partir dos círculos poderosos e que, por isso mesmo, gozam de uma quase absoluta impunidade. O tema é oportuno mas a abordagem foi limitada, ao responsabilizar os agentes do Estado, e em particular as autarquias, por um combate que tem de envolver toda a sociedade. Desde logo, a corrupção surge associada ao crime económico e a fenómenos como a evasão e fraude fiscal – vide zona franca da Madeira e casos recentes de reembolsos indevidos de IVA “em carrossel”. Curiosamente, porém, o “pacto da justiça” entre PS e PSD, apadrinhado por Cavaco Silva, ignorou o combate à corrupção e ao crime económico.
Quanto ao regabofe fiscal, que continua a ter no sigilo bancário a sua “alma mater”, ele radica nas reformas introduzidas durante o consulado cavaquista – o chamado “Estado laranja” – num período de entrada maciça de fundos comunitários, em que o país assistiu a uma espiral de escândalos e a evasão fiscal bateu todos os recordes. Quando aponta – e bem – o dedo à corrupção, o Presidente Cavaco Silva está a mirar-se ao espelho do antigo primeiro-ministro Cavaco Silva; nesta e noutras matérias, incluindo a exclusão na interioridade ou em meio urbano que, hoje mesmo, serve de mote a mais uma etapa do roteiro cavaquista. O que não é inédito: vem-me à memória uma “Presidência Aberta” de Mário Soares sobre a exclusão social na Grande Lisboa, em 1993, que motivou o PER – plano especial de realojamento, destinado a erradicar as barracas, ainda hoje inacabado.
A nível do aparelho de Estado, o combate à corrupção não se resume ás autarquias: é muito recente a investigação a subornos milionários incluídos no preço de armas vendidas à Marinha, um sector aparentemente insuspeito; e há também reclamações e denúncias sobre os concursos para a compra de blindados, helicópteros e outros produtos “de primeira necessidade” num país marcado pela obsessão do défice, sem esquecer o caso dos sobreiros de Benavente, etc., etc...
As autarquias não podem ser, portanto, o bode expiatório da corrupção. Até famoso “triângulo dourado” construção civil – futebol – e um certo poder autárquico tem, com é óbvio, três vértices... Deixando de lado os notáveis do “Apito Dourado”, entre os quais figuram apoiantes indefectíveis de Cavaco Silva, importa quebrar a dependência do poder autárquico em relação à construção civil, responsável pela betonização das nossas cidades e por crimes urbanísticos e ambientais em série. Infelizmente, a proposta de lei das finanças locais não vai neste sentido pois, ao estrangular as autarquias, coloca-as ainda mais nas mãos da construção civil. O PR tem aí uma oportunidade de exercer a sua “magistratura de influência” mas, a julgar pelo discurso do 5 de Outubro, apontando o dedo às autarquias, parece que a coabitação Cavaco-Sócrates continua de vento em popa…
Este 5 de Outubro, comemorado como o Dia Mundial do Professor, ficou marcado por outro acontecimento histórico: a maior manifestação de professores e educadores de que há memória em Portugal, unindo mais de uma dúzia de sindicatos, da FENPROF à FNE., na qual foi anunciada uma greve de dois dias para 17 e 18 de Outubro. Esta unanimidade deveria fazer reflectir o governo, pois o empenhamento dos professores é indispensável ao êxito do processo educativo e a chave para a modernização do país. A resposta veio pela boca de uma ministra mal-educada, insinuando que os professores “não sabiam ler” a sua proposta de Estatuto da Carreira Docente. Num país civilizado, tal bastaria para a sua demissão imediata de um cargo para o qual não tem manifesta vocação. Em Portugal, porém, ela tem a solidariedade do primeiro-ministro e já foi elogiada pelo PR…
Esta semana de um Outono que se anuncia “quente” no plano social, vai ainda ser palco de dois acontecimentos importantes: o Protesto Geral de 12 de Outubro, convocado pela CGTP e o Fórum Social Português, a 13, 14 e 15 de Outubro, em Almada. Face a um poder que usa e abusa da velha máxima “dividir para reinar” – funcionários públicos contra outros trabalhadores, profissões contra profissões, desempregados contra imigrantes, novos contra os mais velhos… – urge erguer este Protesto Geral: TODOS JUNTOS PELA LUTA TODA e contra o neoliberalismo, confiantes de que OUTRO MUNDO É POSSÍVEL, imperioso e urgente!
Alberto Matos – Crónica semanal na Rádio Pax – 10/10/2006
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