Em casa onde não há pão...
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Miguel Portas
artigo publicado no Sol, 7.10.2006
Nos últimos dias, os media noticiaram combates em Gaza e na Cisjordânia entre militantes armados da Fatah - ligada ao Presidente – e do Hamas – que detém o governo. Do actual impasse ou começa uma guerra civil, ou se constitui um governo de unidade nacional, ou se realizam eleições antecipadas. Como pano de fundo, greves em carrossel atingem a Palestina desde meados de Agosto. Pura e simplesmente, as pessoas têm fome e não há salários que cheguem. Exigem do governo o que sabem que ele não tem – dinheiro. E sabem até porque o não tem: Israel não entrega à Autoridade palestiniana, desde Março, os impostos que cobra nos territórios ocupados; e o mecanismo financeiro para contornar o bloqueio económico e político decidido pelos EUA e pela Europa, só começou a funcionar em Agosto.
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Para se ter uma ideia, 120 milhões de euros foram libertados por Bruxelas. Destes, 40 milhões foram direitinhos para Telavive. Porquê? Porque o governo palestiniano pagava as facturas da água, da electricidade e dos combustíveis com o dinheiro que recebia dos impostos cobrados pelo ocupante. Como deixou de haver liquidez, quem lhe paga é a Europa...
Coloquem-se os nomes às coisas: o bloqueio à Palestina colocou o país à beira da guerra civil. Este era o melhor cenário para Israel, uma espécie de prova definitiva sobre a ausência de interlocutor credível do outro lado.
Coloquem-se os nomes às coisas: o bloqueio à Palestina colocou o país à beira da guerra civil. Este era o melhor cenário para Israel, uma espécie de prova definitiva sobre a ausência de interlocutor credível do outro lado.
Para os palestinianos, pelo contrário, a melhor solução seria um governo de unidade nacional que travasse a deriva interna e confrontasse a comunidade internacional com as suas responsabilidades.
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Ele está cada vez mais difícil, não por causa do Hamas, que se dispõe a reconhecer implicitamente Israel, mas por causa de Washington que exige que o mesmo seja feito explicitamente.
O presidente palestiniano, atado de pés e mãos, comprou a agenda norte-americana. Isto significa guerra civil ou eleições antecipadas. Se estas ocorrerem, a Fatah até pode ganhar porque as pessoas votarão de estômago vazio.
Mas na primeira oportunidade livrar-se-ão de quem as obrigou a humilhar-se. Neste filme, a Europa volatizou-se de novo. O moderado de lá do sítio prefere entender-se com Washington. Eis aonde conduziu um bloqueio que apenas explicou aos palestinianos que a democracia só serve quando vence quem deve.
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Um e meio
Anunciou o governo aumentos de um e meio para a Função Pública e, portanto, para o resto. Devia ter sido mais sincero. De facto, propõe quebras reais de salário e na maioria das pensões na ordem... de um e meio por cento. Não é a primeira vez.
A Função Pública, que sabemos ter problemas, mas apesar deles é quem mais contribui para a melhoria da “competitividade nacional”, há anos que perde salário. Este ano, o absurdo é, contudo, maior: afinal a economia está ou não está a recuperar?...
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Auto-censura
A anulação das representações de Endomeneia pela ópera de Berlim “não lembra ao careca”. Desconheço a produção e sobre ela nada digo. Mas faço minhas as palavras de Daniel Barenboim, chefe da única orquestra judaico-palestiniana do mundo: “a arte não é moral nem imoral; nem edificante nem ofensiva. É a nossa reacção ante ela que a toma como tal ou tal”. O governo alemão tinha que garantir a segurança da sala de espectáculos. A auto-censura por medo é um insulto à inteligência.
Miguel Portas
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