Thursday, April 05, 2007

VIVA A BICICLETA!!


Bicicletas por uma cidade amável
Jaime Pinho
Há cidades que foram desenhadas para os peões e para as bicicletas, ou que simplesmente organizam o espaço preexistente garantindo-lhes a primazia e em que as ruas são prolongamentos das casas. As cidades que conseguiram reconquistar ruas inteiras, bairros e zonas para as pessoas, que as podem atravessar de ponta a ponta, deram um extraordinário contributo no sentido de que outro mundo, outra cidade é possível.
Em Amsterdão e noutras localidades holandesas, como também em Copenhaga, na Dinamarca, uma larga percentagem dos seus habitantes faz o dia a dia sem utilizar o automóvel… que está na garagem ou simplesmente não existe. Pelas manhãs, nuvens de crianças chegam à escola de bicicleta, autónomas e em grupos, percorrendo ruas e ciclovias, atravessando parques e jardins. Que melhor maneira de começar o dia?!
A subalternização do automóvel permite evitar que as praças sejam sacrificadas às insaciáveis infraestruturas, aos nós rodoviários, que sejam esquartejadas pelas faixas de rodagem. Por isso a cidade é policêntrica. E a mobilidade faz-se essencialmente a pé, de bicicleta e de eléctricos.
A cidade é o espaço público, o chão que pisamos, se passa ou se pára sem condições, sem pagar, se vai para os afazeres, os encontros, onde alegramos as vistas, os largos, o desconhecido, afectos, camaradagens.
Mas a cultura invasiva do automóvel está tão enraizada nas nossas sociedades que o seu simples questionamento se apresenta como algo ilegítimo ou utópico. É tão tentacular e tão violenta que consegue impedir que a cidade seja vivida da maneira mais harmoniosa, racional e económica.
A cidade de "sua majestade o automóvel" é vista por muitos autarcas e ministros como o clímax da civilização e do desenvolvimento. Atravessam-na blindados nas suas "máquinas" e seriam incapazes de o fazer de outro modo. A pé ou de bicicleta seriam fisicamente impedidos de andar, correriam perigos, sentir-se-iam escorraçados, ameaçado pelas altas velocidades, por estacionamentos abusivos, apanhariam sustos por simplesmente atravessar de um lado para o outro, ou nem sequer haveria passeio e seriam corridos para dentro do automóvel.
Os governantes esbanjam, ainda por cima, rios de dinheiro. Grande parte dos orçamentos das câmaras e do estado são investidos no apoio à circulação automóvel, prejudicando o que há de mais importante: as pessoas, que se vêem privadas do mais elementar direito à cidade. Esbanjam e levam as pessoas a hipotecar uma vida inteira com os carros, os mecânicos, a manutenção, a gasolina, tornando-as dependentes do transporte privado, tudo multiplicado por milhões de pessoas. Os orçamentos familiares são mais uma vítima desta cultura.

Cada vez mais se impõe uma política de bom-senso. É chegado o tempo em que não podemos aceitar mais esta voragem. Quanto custam os túneis, centenas-milhares de túneis e viadutos? E os repetidos tapetes betuminosos? E a reparação dos passeios quem a paga? Ou não se reparam, deixando desmoronar os já escassos que existem?
A cultura do automóvel em Portugal arroga-se o direito de se apoderar de todos os passeios que puder, das praças, das sombras de todas as árvores no Verão. A cultura do automóvel segrega as pessoas, devora a paciência, afecta a qualidade de vida. Numa palavra: a democracia.
Para ir de um lado para o outro tem que se contar com o stress, os peões perdidos no meio do caos, engarrafamentos, buzinadelas, bafos de gases de escape, o ruído permanente, agressivo, lesivo dos sentidos.

As bicicletas têm de fazer parte das nossas-novas cidades. E já não se trata de um desejo sentimental, de uma saudade infantil, de uma reminiscência do tempo da pobreza, de um regresso ao passado. As bicicletas são a nossa-nova arma contra as alterações climáticas.
São ecológicas, porque não poluem o ar nem fazem ruído, e nos ligam aos elementos: a textura do chão, o vento, os aromas. Dispensam as bombas de gasolina e os seus depósitos subterrâneos, por vezes no meio de bairros residenciais. Nos podem permitir atravessar parques, jardins, reservas naturais, bastando apenas simples e seguros corredores ecológicos de ligação e passagem.
São económicas, graças à simplicidade mecânica, e porque as infraestruturas necessárias já existem, só falta é adaptá-las, riscá-las no pavimento, recuperar vias e caminhos que foram abandonados porque não serviram para os automóveis, redesenhar os cruzamentos e inverter o modelo que existe.
São saudáveis, ao proporcionarem um óptimo e ritmado exercício físico, logo ideais para prevenir obesidades e doenças cárdio-vasculares. Combatem a violência rodoviária.
São democráticas, porque dão prioridade às crianças e asseguram os eco-sistemas pedonais, em que as pessoas com deficiência, as mais velhas e os bebés têm prioridade. Porque a pessoa já não se apresenta mascarada por uma "máquina" que lhe dá um estatuto medido à cilindrada, mas como igual.
São viáveis, se forem encaradas como mais uma peça, agora estruturante, do sistema de mobilidade, que é um puzzle, juntamente com os transportes públicos, e em que o automóvel é a excepção e não a regra.




Jaime Pinho

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