Thursday, February 15, 2007

O Referendo à despenalização da IVG



O REFERENDO À DESPENALIZAÇÃO DA IVG

João Vasconcelos (*)

Neste Referendo sobre a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez o “Sim” ganhou com 2 238 053 votos, 59,25% dos votos expressos, obtendo o “Não” 1 539 078 votos, correspondendo a 40,75%. Apesar da elevada taxa de abstenção, mais de 50%, o “Sim”obteve mais 1 milhão de votos do que em 1998, o que vincula o Parlamento à despenalização do aborto e ao combate ao aborto clandestino.
Com os resultados deste referendo, Portugal entrou definitivamente no século XXI e na Europa em que queremos estar. A vitória do “Sim” representa a vitória da democracia e da sociedade portuguesa em consonância com a identidade europeia e a matriz contemporânea da sua civilização. Representa a vitória da tolerância e da modernidade contra a humilhação repressiva das mulheres e o conservadorismo atávico e bafiento que ainda persiste na nossa sociedade. E acima de tudo, significa a vitória da juventude, das mulheres portuguesas e da sua dignidade, pondo termo à perseguição e criminalização destas, sempre que abortem nas primeiras 10 semanas.
A esquerda também sai vencedora deste combate. E um dos grandes vencedores, é sem dúvida o Bloco de Esquerda, tal como reconheceram vários comentadores. Desde a primeira hora, o Bloco empenhou-se a fundo nesta luta. Ainda durante o governo PSD/PP, o Bloco promoveu a recolha de milhares de assinaturas com vista à realização de um novo referendo sobre a interrupção da IVG, o que foi recusado pela direita. Com a maioria absoluta do PS em 2005, estavam criadas as condições para a despenalização do aborto na Assembleia da República, tal como defendeu o Bloco, o que Sócrates sempre recusou, preferindo antes um novo referendo. De nada servia “gritar” contra este, já que Sócrates não abdicava da sua posição. Assim, o empenho do BE para a vitória deste referendo foi total, com a deslocação de Louçã e de outros dirigentes bloquistas por todo o país, a colocação de outdoors, a afixação de cartazes e distribuição de folhetos informativos, os tempos de antena, a projecção de documentários, o apoio total aos diversos movimentos cívicos pelo “Sim” e a campanha de rua e directa com vista a esclarecer o maior número de eleitores. Valeu bem a pena esta batalha.
No Algarve, apesar da abstenção rondar os 61%, a vitória do “Sim” foi esmagadora, situando-se nos 74%, enquanto o “Não”obteve uns meros 26%. Em Concelhos como Vila do Bispo e Aljezur, o “Sim” ultrapassou mesmo os 80%. E a expressão do “Sim” só não foi mais elevada (e talvez a abstenção tivesse diminuído) se o Partido Socialista se tivesse empenhado mais a fundo. Praticamente não existiu campanha de rua deste partido e o seu envolvimento e apoio aos movimentos pelo “Sim” na região foi fraca (exceptuando algumas personalidades), contrariamente a outras forças políticas da esquerda. Digamos que, em parte o PS no Algarve enveredou pelo “Nim”, escudando-se nas campanhas televisivas e nas aparições mediáticas do 1º Ministro. Por exemplo, veja-se o que aconteceu na Assembleia Municipal de Portimão, onde foi aprovada uma moção proposta pelo Bloco de Esquerda para que houvesse um amplo debate sobre a despenalização da IVG – o PS ignorou completamente esta proposta, aprovada também com os seus votos, não promovendo a realização de uma Assembleia Municipal extraordinária sobre o assunto.
Agora Sócrates e o seu Governo não têm desculpa e devem cumprir o que prometeram o mais rapidamente possível (o 1º Ministro não é nada famoso em cumprir as promessas, detendo mesmo um triste record no não cumprimento das mesmas). Mas o referendo, além de vinculativo (pois se em 1998 uma percentagem de 31% também o foi), é politicamente imperativo. A Assembleia da República pode agora aprovar a legislação de acordo com os resultados expressos do referendo, permitindo assim às mulheres o recurso à IVG nas primeiras dez semanas, nas devidas condições de saúde, segurança e também de dignidade.


(*) Mestre em História Contemporânea,
membro da Comissão Distrital do BE Algarve e da AMAL

OBS: Este artigo foi publicado no jornal Barlavento de 15/02/07.

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