Thursday, May 17, 2007

Sarkozy


EDITORIAL EDIÇÃO MAIO 2007
Reconstruir
A vitória de Nicolas Sarkozy a 6 de Maio de 2007 na segunda volta das eleições presidenciais, com 53 por cento dos votos, assinala uma viragem na história de V República francesa. Porque não se trata da simples recondução da direita ao poder que ocupou, ao mais alto nível, de 1958 a 1981 e novamente desde 1995. O programa do candidato da União para um Movimento Popular (UMP), combinado com as forças que quis reunir à sua volta, assinalam uma inflexão fundamental: fazem com que Sarkozy seja o primeiro presidente simultaneamente neoliberal, autoritário, pró-americano e pró-israelita.
O ruído sistemático de uma campanha eleitoral marcada por referências eclécticas, de Joana d’Arc a Léon Blum, não consegue mascarar o perfil político muito definido de Nicolas Sarkozy. Ainda que defenda um voluntarismo graças ao qual o Estado poderia «proteger» a França e os franceses, o seu programa económico e social inspira-se largamente nas velhas receitas thatcherianas e privilegia… os privilegiados. Do mesmo modo, os seus arrebatamentos republicanos não conseguiram apagar uma visão da sociedade essencialmente securitária, que às reivindicações das categorias populares e da juventude apenas responde com a repressão. Explicando isto talvez o que se segue, a sua «derrapagem» sobre as origens genéticas da pedofilia e do suicídio dizem muito acerca do sorrateiro eugenismo que o inspira. Por fim, apesar dos esforços para atenuar o efeito da unção pedida ao presidente George W. Bush, Sarkozy não negou a vontade de se reaproximar da política americana, incluindo no Médio Oriente – para já não falar do anunciado enterro, através de um procedimento parlamentar, do referendo de 29 de Maio de 2005 sobre o Tratado Constitucional da União Europeia…
Se o programa de Sarkozy é importante, a «clientela» à qual se empenhou em vendê-lo não o é menos. Deste ponto de vista, as grandes manobras entre as duas voltas destinadas a recuperar o eleitorado de François Bayrou não apagam os meses de incitação ao de Jean-Marie Le Pen. A coberto de uma «reconversão» das tropas deste último à democracia, o candidato da direita interiorizou literalmente as teses da extrema-direita: da proposta de criar um ministério da imigração e da identidade nacional à recuperação da palavra de ordem «A França ama-se ou abandona-se»; da perseguição aos sem-papéis, até em frente às escolas, à abolição da lei de protecção dos menores de 1945; da pseudo-defesa dos que «se levantam cedo» contra os «oportunistas» e os «beneficiários de apoios sociais»… Nenhum dos seus antecessores tinha ido tão longe para conseguir ser eleito. Convém, por isso, avaliar bem a situação antes de saudar o recuo da Frente Nacional…
Os esforços de Sarkozy e os apoios mediáticos maciços de que beneficiou não explicam contudo, por si sós, o seu êxito, tal como não explicam os efeitos perversos, uma vez mais verificados, da eleição presidencial por sufrágio universal: personalização, demagogia, voto útil… Face à direita e à extrema-direita, pesou sobretudo a ausência de uma autêntica alternativa política. Desde 1969, nunca o total dos votos de esquerda na primeira volta – 36,44 por cento – havia sido tão fraco. E há razões para isso. O Partido Socialista deixou que as sondagens lhe impusessem uma candidata, Segolène Royal, que de facto conseguiu apagar o traumatismo de 2002, mas sem oferecer às forças populares uma perspectiva mobilizadora. Tanto mais que, ao seu lado, o Partido Comunista, a extrema-esquerda e os ecologistas não se uniram para prolongar as grandes mobilizações sociais em defesa da Segurança Social e das pensões de reforma, o impulso do «não» no referendo de 29 de Maio de 2005 e a cólera das periferias urbanas. Para além das querelas de aparelho e de pessoas, o que está em causa é, em primeiro lugar, a incapacidade de se pensar uma política anticapitalista à escala de França e da Europa.
É neste terreno que tem que se recomeçar a reconstruir, e sem demora. Porque, se vencerem as eleições legislativas, a direita e a extrema-direita no poder tentarão fazer aprovar um grande número das suas medidas políticas de destruição social: contrato de trabalho único copiado do CNE (contrato de novos empregos); aumento do tempo de trabalho; obrigação de actividade em troca dos benefícios sociais mínimos; limitação do direito de greve; destruição do Código do Trabalho; supressão dos direitos de sucessão e, através do «escudo fiscal», do imposto sobre as grandes fortunas; prossecução do desmantelamento dos serviços públicos, da protecção social e das reformas; taxas progressivas nas despesas de saúde; não substituição de um em cada dois funcionários públicos que partem para a reforma; liquidação do mapa escolar; novas ameaças às aposentações; perseguição aos imigrantes, acompanhada de um apelo à mão-de-obra «escolhida» do Sul; relançamento da Europa liberal e apoio à política americana, etc. A esquerda vai precisar de todas as suas forças para resistir a esta ofensiva sem precedentes, mas também para reabrir uma perspectiva de mudança.
O Le Monde diplomatique não é o órgão de qualquer partido nem de qualquer associação. Não é um jornal militante. Mas compromete-se com valores que defende desde há décadas. E é assim, ao seu modo, que pretende contribuir para uma arquitectura intelectual alternativa: esforçando-se por fazer com que sejam mais bem conhecidas as realidades geopolíticas do mundo contemporâneo, informando sobre as experiências sociais e políticas que nele se desenvolvem, participando inteiramente nos debates de ideias em curso. Para reconstruir.
IGNACIO RAMONET
segunda-feira 14 de Maio de 2007

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