Sunday, September 09, 2007

A alteração da lei eleitoral autárquica



A alteração da lei eleitoral autárquica
João Vasconcelos (*)

Estão a decorrer no maior secretismo negociações entre o PS e o PSD com vista a uma revisão da actual lei eleitoral autárquica, permitindo a constituição de executivos camarários monocolores. O que quer isto dizer? Significa que o partido mais votado em eleições autárquicas terá o direito a escolher todos os vereadores, o que, além de ser inconstitucional, é uma autêntica vergonha e um colossal escândalo.
Aliás, a posição inicial do Partido Socialista ainda consegue ser mais anti-democrática e diabólica: enquanto o partido mais votado escolhe todos os vereadores, sem possibilidade da existência de vereadores da oposição, o Partido Social Democrata propõe a formação de executivos maioritários, ou seja, o partido com mais votos passará a nomear os vereadores necessários, a fim de alcançar a maioria absoluta no executivo. No fundo, o que estes dois partidos do regime pretendem é que não haja o mínimo de oposição e fiscalização na Câmara, para assim se poderem “banquetear” e praticarem todos os “cambalachos” à vontade.
Para a constituição de executivos camarários homogéneos, alegam PS e PSD que o seu objectivo é eliminar bloqueios de gestão inerentes às chamadas maiorias relativas, isto é, situações em que o partido mais votado tem os mesmos ou menos vereadores do que toda a oposição, como sucedia na Câmara de Lisboa antes das eleições intercalares. Na nova lei, passará a haver uma única lista para o executivo e para a Assembleia Municipal, sendo Presidente de Câmara o cabeça de lista do partido mais votado, cabendo-lhe constituir a sua equipa, sempre com maioria absoluta, entre os eleitos da sua lista para a Assembleia Municipal. (Exemplificando ainda o caso de Lisboa, António Costa com apenas 29% dos votos, em vez dos 6 vereadores passaria a deter todos os 17, ou pelo menos a maioria de 9 vereadores). Dizem ainda, PS e PSD, que a revisão da lei permitirá um reforço dos poderes de fiscalização do executivo camarário por parte da Assembleia Municipal.
Todos os argumentos evocados pelo PS e PSD para defender a nova lei são falaciosos, muito perigosos para esta democracia cada vez mais de opereta e representam mais uma machadada numa das conquistas e direitos cívicos que nos trouxe o 25 de Abril – a eleição democrática do poder local. A ser aprovada, a nova lei eleitoral autárquica significa banir toda a oposição nos executivos camarários, permite fenómenos de um maior clientelismo e corrupção, e reforçam o sistema presidencialista, incentivando a personalização do poder em torno dos Presidentes de Câmara. Como alguém disse, “se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”.
É uma mera ficção dizer-se que aumentam os poderes fiscalizadores da Assembleia Municipal, pois, como se sabe, os deputados municipais não são profissionais da política, têm as suas vidas profissionais, sabendo-se das suas grandes dificuldades em ter acesso e em estudar adequadamente os vários documentos. Por outro lado, a maioria municipal coloca-se sempre, inquestionavelmente, ao lado do executivo camarário, como acontece, por exemplo, com a maioria socialista de Portimão. Como diz o ditado popular, “vão mas é dar banho ao cão”.


(*) Cidadão e autarca pelo Bloco de Esquerda.

Observação: artigo publicado no Jornal Barlavento de 06/09/07.



João Vasconcelos (*)

No comments: