Friday, January 12, 2007

COMPRAS DE NATAL


Os Gastos dos Portugueses no Natal 2006
João Vasconcelos (*)



De acordo com o que relatou alguma comunicação social, os portugueses gastaram em compras 2,1 mil milhões de euros nos primeiros 25 dias do mês de Dezembro passado, pagando-as com cartão Multibanco. Entre pagamentos e levantamentos, em todo o mês de Dezembro foram movimentados 4 mil milhões de euros, o suficiente para pagar um aeroporto da Ota. Estes gastos dão uma média de 900 euros por segundo. Num país, a braços com uma profunda crise económica e social, são vários os factores que explicam o comportamento dos nossos concidadãos.
Convém referir que estes gastos tiverem um aumento inferior relativamente ao mesmo período do ano anterior, 5,4%, quando em 2005 tinha havido um aumento de 9% em relação a 2004, verificando-se assim um abrandamento no crescimento do consumo. Este é um primeiro indicativo de que a crise está efectivamente a agravar-se nesta primeira fase do consulado neo-liberal Sócrates/Cavaco. De nada serve a demagogia populista e as manipulações propagandísticas desde Governo dizendo que a situação dos portugueses está a melhorar. E a bênção paternal do inquilino de Belém também não está a contribuir para estas melhorias, bem pelo contrário.
Os consumidores são triplamente pressionados: por uma banca tradicional cada vez mais agressiva que vê os seus lucros crescerem de forma muito acentuada no segmento dos empréstimos ao consumo, por uma massificada e cada vez mais martelante propaganda das múltiplas empresas financeiras de empréstimos ao consumo e, por uma sociedade crescentemente consumista e materialista.
Os níveis de endividamento das famílias portuguesas são crescentes e preocupantes, pois não param de crescer, especialmente a partir de 2002 e numa época de crise, quando o país apresenta mais de meio milhão de desempregados e três milhões de pobres, destes duzentos mil passam fome no seu dia a dia. Como se deve depreender, não é esta camada muito acentuada de famílias, de trabalhadores e de excluídos da sociedade que fazem gastos “exagerados” no Natal, pois não dispõem de posses para tal, nem qualquer capacidade de endividamento. Todavia, todos deviam ter direito a um Natal condigno, para si e para a sua família, e a viverem igualmente com dignidade durante os restantes 364 dias do ano.
Por outro lado, há portugueses e portugueses. Enquanto uns – a esmagadora maioria -, fazem as contas aos cêntimos no seu dia a dia, outros – uma cada vez mais pequena minoria -, vêem os seus lucros e as suas fortunas a aumentar todos os dias. Os pobres já são pobres, enquanto as classes médias se encontram num processo de proletarização sem precedentes. Por sua vez, os ricos, como os banqueiros, os especuladores financeiros, os corruptos, os donos e administradores dos grandes grupos económicos, alguns presidentes, treinadores e jogadores de futebol, são os donos do país, esbanjam e nem sabem o dinheiro que têm. E são estes últimos os responsáveis por uma grande parte das compras de Natal. Toda esta política, de crise e miséria para a maioria, e de abastança e fartura para a minoria, tem tido a cobertura e incentivo dos sucessivos governos que temos tido. Não perdoou este Governo à banca 3 mil e 500 milhões de euros, enquanto “congelou” as progressões nas carreiras dos trabalhadores subtraindo a estes milhões e milhões de euros? Sócrates rouba os pobres para dar aos ricos!
Esperemos que toda esta febre de consumismo não indicie algo ainda mais grave. Basta recordar o que esteve na base das graves crises do Extremo Oriente – o colapso dos bancos perante a massiva insolvência dos seus clientes depois do estouro da bolha imobiliária. Também no final do Antigo Império Romano as pessoas endividavam-se e gastavam em excesso, o que apressou o seu colapso.

(*) Membro da Assembleia Municipal de Portimão e da Assembleia Metropolitana do Algarve.

Obs: Artigo publicado no jornal “Barlavento” de 11 de Janeiro de 2007.

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