Friday, August 18, 2006

LIBANO


















Ester Mucznik não fala por mim




26/07/06
(após leitura da crónica habitual de Ester Mucznik no Público de 21 de Julho de 2006)



Artigo de Alan Stoleroff, judeu, professor de sociologia no ISCTE.







Enquanto todos os jovens israelitas são obrigados a servir o Estado nas forças armadas, Ester Mucznik (a nossa própria "Investigadora em assuntos judaicos") é uma voluntária, oferecendo os seus serviços à máquina propagandística sionista gratuitamente e por convicção identitária. Contudo, a sua apologia, composta na "calma tensa" de Tel Aviv, da solidariedade da população israelita face à realidade da guerra, inclusive dos deputados árabes (mentira), não deve impressionar muito a opinião pública informada em Portugal ou na Europa em geral.
Mesmo aqueles que assumem o seu "ocidentalismo" nas "guerras culturais" actuais não ficam indiferentes à "desproporcionalidade", ou seja, à brutalidade e criminalidade, da resposta das forças armadas israelitas à provocação (irresponsável),do Hizbollah do dia 12 de Julho que se baseia nos princípios de castigo colectivo e na estratégia explícita do uso da força máxima. O quartel -general da força aérea israelita anunciou que foram 23 toneladas de bombas a atingir a sede do Hizbollah em Beirut!
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Mesmo quem não viu as fotografias da destruição do sul de Beirut, onde o povo do Hizbollah se concentra, entende que não é com avisos à população que se vai evitar que a matança transbordasse para a população civil quando se deixa cair 23 tonelados de bombas numa zona urbana. Ou será que as forças armadas israelitas identificam todos os shias com Hizbollah, e portanto todos (idosos, mulheres, crianças, homens não-pertencentes às milícias) são alvos - secundários mas aceitáveis porque os danos colaterais são um mal menor quando se trata da segurança de Israel?
Em Beirut e no sul do Líbano não reina uma "calma tensa"; reina a fuga das populações civis deliberadamente e assumidamente provocada pelas forças armadas israelitas, e reina a guerra, a invasão de forças terrestres israelitas que se confrontam directamente com as tropas do Hizbollah numa tentativa de operação de limpeza. Vamos ver se o exército israelita (IDF) efectua uma limpeza: se tratarem dos cadáveres abandonados pelas populações em fuga, se recolherem os mísseis iranianos de Hizbollah, se criarem de novo uma zona tampão entre o Líbano e o norte de Israel etnicamente limpa das populações shiitas apoiantes do Hizbollah para que uma força internacional aceitável ao governo israelita possa reocupá-la.
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É interessante e revelador que Ester Mucznik nos escreve que as coisas não voltarão à situação anterior que foi criada pela retirada "voluntária" de Israel do sul de Líbano e de Gaza (ou seja, o Hizbollah e a resistência palestiniana não tiveram qualquer impacto nas decisões de retirada das duas zonas?!?). Ester Mucznik agora junta a sua voz aos proponentes da direita que criticam Barak e Sharon por terem alterado as formas de ocupação desses territórios, a segunda com base na política da "separação unilateral" e "convergência".
Estes comentários de Mucznik são reveladores porque representam um pensamento israelita de que é necessário agora acabar uma tarefa, ou seja, acabar com "eles". Apesar de ser identificado como "traidor" à causa judaica em sites da extrema-direita sionista, enviam comunicados para o meu endereço de e-mail (se calhar pensam que um judeu sempre será susceptível à "solidariedade" racista e nacionalista) e um último comunicado a circular foi mesmo neste sentido que parafraseio assim: "Aproveitemos da situação, em que o mundo ocidental compreende a justiça da nossa resposta aos ataques ao nosso território soberano e aos raptos dos nossos soldados corajosos e puros, para acabarem uma vez por todas com eles.!" No caso do sul de Líbano o quartel geral das IDF está a anunciar que a operação vai durar algum bom tempo além da semana que Bush e Condoleza atribuíram para o trabalho.
Mas Mucznik não escreveu sobre a guerra aos palestinianos em Gaza e não acho que foi um esquecimento: é para confundir a sequência de acontecimentos que produziram a ofensiva israelita contra Gaza com a provocação do Hizbollah no norte. Sobre a situação em Gaza Mucznik critica Vital Moreira (que caracterizou os actos militares das forças de resistência palestiniana do Hamas e Jihad Islâmica como "resistência legítimo à ocupação") para nos fazer entender que também no sul é Israel que é vítima de agressões dos islamitas, como se pudesse comparar o lançamento de rockets caseiros Quassans aos ataques de F-16s e Apaches, como se pudesse comparar a captura de um soldado israelita ao aprisionamento e rapto de milhares de palestinianos militantes da resistência e suspeitos de resistência. (É sabido que no dia anterior à captura do soldado Shalit, a tropa israelita tinha raptado vários palestinianos do Hamas em Gaza.)
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Portanto, tudo serve para liquidar a crítica à ocupação israelita que dura quase 40 anos.
Em vez de fazer apologia e elogio a esta tendência de solidariedade e de fechamento das fileiras da população israelita Mucznik deveria criticar a continuação de uma estratégia desastrosa para o Estado de Israel e para a segurança relativa da população do Estado. A paz e o reconhecimento mútuo não virão do "reafirmação da dignidade e da força dissuassora" das forças armadas israelitas; só virá o ódio de povos dilacerados e humilhados.
Este governo do Kadima, com a ajuda do líder de Labor, Peretz, dirigente da Histadrut, ex-proponente do "processo de paz" como o seu colega, Peres, Prémio Nobel que foi o autor da violência contra Líbano na campanha "Grapes of Wrath", escolheu esta estratégia da resposta maciça de forma análoga como tem vindo a desenvolver a sua estratégia de "convergência", ou seja, da delineação unilateral das fronteiras de Israel e de anexação e de consolidação do apartheid. Toda a evolução que produziu a conjuntura actual deriva da política de Israel e dos EUA em negarem os resultados da eleição democrática na Palestina, para recusar a negociação do que quer que seja, porque não há parceiro aceitável para tal, esta política que é um corolário da política dos EUA de Bush e Cheney para Iraq e o Médio-oriente.
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Toda a política de Israel, desde a sua rejeição sob o governo de Netanyahu de qualquer simulacro de um "processo de paz", tem sido a negação de oportunidades para a obtenção de paz e para uma resolução dos conflitos, coberta por um discurso hipócrita e duplíce , e como a maior parte da política de Israel desde as guerras de 67 e 73, estas políticas "fracassaram" produzindo sempre as consequências não-intencionadas de políticas de curto prazo e curta visão cínica.
A invasão do Líbano para esmagar a OLP em 1982 produziu Hizbollah, a promoção do Hamas como contrapeso à Fatah durante a primeira Intifada resultou na expansão do movimento islamista contra os corruptos e ineptos que regressaram de Tunísia, a ganância para manter e expandir os colonatos após os acordos de Oslo e a arrogância estúpida de ter explorado e humilhado Arafat e a Autoridade Palestiniana e não ter produzido um acordo final e justo quando havia uma oportunidade, a tentativa de isolamento do governo de Hamas.
Mas a realidade é que desde Netanyahu - com o intervalo do governo de Barak que também perdeu as suas oportunidades diplomáticas devido à duplicidade que derivou do tratamento arrogante de Arafat e da questão dos refugiados - desde então a estratégia do Estado de Israel não tem a ver com um "processo de paz" no sentido da resolução do conflito político territorial com base na solução de dois estados viáveis.
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A paz procurada pela política israelita era a submissão dos palestinianos a um estado fantoche fundado sobre bantustans e a anexação sem compensação da maior parte dos colonatos de Cisjordânia.
Em contraste com Ester Mucznik escrevo a partir de Lisboa onde consigo distanciar-me da claque da nosso tribo e consigo ver o sofrimento e a tragédia tanto dos palestinianos e dos libaneses como dos israelitas. Contudo estou também consciente da desproporcionalidade brutal na contagem das vítimas, e a desvantagem não é do lado do "meu povo", muito longe disso e em todos os indicadores.
Lembro-me que a vitimização do Holocausto não justificará nunca a política racista baseada na vingança contra todo o mundo e sobretudo os povos árabes e islâmicos. Rejeito a política da administração Bush/Cheney de destruição do Iraq e do Médio-Oriente e rejeito a estupidez e a cegueira teimosas que nos levam a negar que seja a ocupação dos territórios palestianos conquistados em 67 a causa profunda e básica de guerra e a não ver que esta guerra vai arrastar o mundo inteiro para o desastre.
Ester Mucznik não fala por mim; estou do lado dos 500-600 israelitas que se manifestaram em Tel Aviv no domingo da semana passada contra a guerra e contra a ocupação.
Alan Stoleroff, judeu, professor de sociologia no ISCTE, Lisboa, 21 de Julho de 2006

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