Saturday, May 06, 2006

A Estratégia dos EUA para o Médio Oriente!!



O Bloco e a política do governo face à escalada militarista contra o Irão



"Precisamos de saber, no actual cenário de escalada militarista, qual será a voz e a palavra do Governo Português: se a do Prof. Freitas do Amaral que se bateu pela paz e pela decência há três anos atrás, ou a do Prof. Freitas do Amaral, nas suas declarações rendidas à pressão norte-americana, tal como as proferiu a semana passada." Afirmou a deputada Ana Drago na abertura do debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do Bloco, sobre "A tensão internacional suscitada pelo programa nuclear do Irão".
Intervenção de Ana Drago “Os EUA podem ter ambição desmedida de querer mandar nos seus aliados; estes é que devem ter a coragem e a espinha dorsal suficientes para não se sujeitarem a ser mandados. Infelizmente, a época actual conjuga uma América muito forte, mas errada nas suas opções internacionais, com uma Europa muito fraca, que apenas esboça tímidas críticas mas não é capaz de dizer «não» quando chega a hora da verdade. É assim que se começa, normalmente, a descer o plano inclinado da conciliação ao seguidismo, deste ao servilismo, e deste último à servidão.”
Estas palavras não são da minha autoria. Foram ditas e escritas pelo actual ministro dos Negócios Estrangeiros, professor Freitas do Amaral. Foram ditas e escritas em finais de 2002, a propósito da intervenção no Iraque, vergonhosamente apoiada por Portugal. Mais de três anos depois, com uma espiral de ameaças entre a ditadura iraniana e a extrema-direita americana, queremos chegar ao fim deste debate a saber com quem estamos a falar: com o político corajoso que se atreveu a resistir à loucura bélica, ou com um responsável político que está disponível para ser complacente com mais esta ofensiva. É que, ao contrário do que seria de esperar, três anos depois da intervenção criminosa e desastrosa sobre o Iraque, a história parece querer repetir-se.
Os mesmos protagonistas, os mesmos argumentos, o mesmo guião com que se encenou a invasão do Iraque há três anos. O vice-presidente norte-americano discursa sobre a ameaça aos EUA vinda de um país rico em petróleo no Médio Oriente; a secretária de Estado diz ao Congresso que esse país é o maior desafio global aos EUA; o secretário da Defesa acusa-o de ser o principal apoio do terrorismo; o presidente aponta esse Estado como autor de ataques a tropas norte-americanas no Iraque; e o embaixador norte-americano na ONU, não se faz rogado e afirma, audaz, que “a ameaça é um novo 11 de Setembro, desta vez com armas nucleares”.
Note-se que qualquer semelhança é mais do que coincidência. O argumentário da nova cruzada em preparação é, tal como no passado, simples e de senso comum: Não podemos permitir que um país marcado pela institucionalização de um regime autoritário, desrespeitador dos direitos humanos e descrente da democracia venha a dispor de armamento nuclear.
É um argumento válido, e merece a nossa reflexão. Mas tropeça nas evidências do mundo: infelizmente, neste domínio, o Irão não está sozinho. Pelo contrário. Coreia do Norte, China, Paquistão – todos estes países estão um passo à frente – já têm armamento nuclear: E não são, concordaremos certamente, merecedores da designação de democracias. Ora, é a estranheza de ver George W. Bush receber na Casa Branca o General Pervez Musharraf, ditador do Paquistão, ao mesmo tempo que arruma o Irão no já famoso eixo do mal – é esta estranheza, a estranheza da duplicidade da administração americana que deve guiar a nossa reflexão sobre a escala belicista em torno do Irão. E são várias as inquietações, as estranhezas deste debate:
A primeira inquietação é perceber o Tratado Não-Proliferação deà Armas Nucleares prevê, permite, e quase incentiva os Estados sem armamento nuclear a desenvolver programas nucleares civis. Diz o Tratado, no seu artigo 4º: “Nada neste Tratado deve ser interpretado como afectando o direito inalienável de todos os seus subscritores a desenvolver pesquisa, produção e uso de energia nuclear para fins pacíficos”. Daqui se conclui que o Tratado prevê, e autoriza a pôr em prática o processo de enriquecimento de urânio, nos exactos termos que têm sido apontados ao Irão.
Ao ignorar as próprias regras do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o Conselho de Segurança das Nações Unidas – ironicamente constituído exclusivamente por potências nucleares – fere de morte um instrumento já de si tão debilitado, pela sua não subscrição por potências atómicas como Israel, a Índia e o Paquistão.
A segundaà inquietação surge-nos quando de vermos repetida a lógica kafkiana das inspecções da Agência Internacional de Energia Atómica. Se o que se sabe não serve de prova, exige-se a prova do que não se sabe. O Irão deve provar que não tem um programa militar atómico oculto. O direito internacional não pode ser uma charada absurda, de inversão do ónus da prova. E depois de três anos de fiscalizações intensivas, é a própria AIEA quem assegura que não há no Irão recursos ou materiais nucleares declarados que tenham sido usados no desenvolvimento de um programa de armamento nuclear.
Ora, uma vez que não há prova tangível, a acusação trabalha no domínio das intenções. Aqui está o argumento contra o Irão: a intenção de num futuro próximo, usando os exactos processos que o Tratado permite, o Irão venha a fazer o que o Tratado proíbe.
A terceira inquietação é aquela que nos faz perguntar até que ponto asà ameaças explícitas da Administração norte-americana nos últimos três anos ao regime iraniano acicataram o apetite do Irão por armamento nuclear.
Inscrito no Eixo do Mal por George W. Bush em 2003, o Irão pode ter chegado à conclusão, a que muitos outros já chegaram, que a bomba nuclear é hoje a melhor garantia, a melhor protecção contra os apetites imperiais da administração fundamentalista que lidera os EUA.
É o pior cenário possível para todos os que se têm batido pela paz e por um processo real de desarmamento nuclear multilateral.
E porque essa deve ser a nossa escolha, a nossa luta na comunidade internacional, há momentos em que ressoam as palavras: «Conviria que os europeus relessem a História, recordassem os seus valores fundamentais, e fizessem da Europa unida um pólo de civilização exemplar, capaz de enfrentar e resistir aos riscos do radicalismo que hoje domina a política externa e de segurança nacional norte-americana». Há três anos atrás, o actual Ministro dos Negócios estrangeiros escrevia assim, exactamente com estas palavras, quando era uma das vozes corajosas a erguer-se contra a intervenção norte-americana no Iraque. Hoje, maravilhemo-nos com as extraordinárias capacidades de reciclagem que uma pertença ao governo pode operar. Numa situação tão semelhante com a que lançou a ofensiva criminosa sobre o Iraque, o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros faz marcha atrás e afirma, taxativo: não se pode descartar a possibilidade de uma intervenção militar sobre o Irão. É o pior que se pode dizer na actual situação, e aponta o caminho do desastre.
Como diz Shirin Ebadi, Nobel da Paz iraniana, “a possibilidade de um ataque militar estrangeiro representa um desastre total para a causa dos defensores dos direitos humanos no Irão”. Shirin Ebadi sabe que a democracia não cai de bombardeiros, nem emerge da penúria. E avisa que todo este processo, esta escalada de ameaças, fortalece o regime iraniano e a sua ala mais conservadora. Como demonstrou, aliás, Nelson Mandela ao desmantelar o arsenal atómico do apartheid, só a democracia pode ser eficaz contra o risco nuclear.
As eventuais intenções armamentistas do regime iraniano só podem ser evitadas pela combinação da mobilização dos sectores democráticos da sociedade iraniana com um plano de desnuclearização do Médio Oriente que rompa o tabu do arsenal atómico de Israel.
Não é tarefa fácil, mas desengane-se quem pensa que há caminhos fáceis ou atalhos feitos de guerra na construção de uma comunidade internacional regida pelo primado da lei, e orientada para a promoção da paz e da democracia. E é por estas exactas razões, porque a promoção da paz e da democracia exige trabalho, luta e coragem, precisamos de saber hoje com o que contamos.
Precisamos de saber, no actual cenário de escalada militarista, qual será a voz e a palavra do Governo Português: se a do Prof. Freitas do Amaral que se bateu pela paz e pela decência há três anos atrás, ou a do Prof. Freitas do Amaral, nas suas declarações rendidas à pressão norte-americana, tal como as proferiu a semana passada.
É isso que os portugueses merecem saber.
É isso que o mundo de hoje nos exige.

No comments: